2 pra lá, 5 pra cá
Silvana Marques tinha 8 anos de idade e morava próximo à quadra da Turunas do Riachuelo. Um dia deparou-se com um casal que fazia os passos de dança de salão em frente à bateria da escola de samba. Foi o início de uma relação de amor com a dança, que resultou, anos depois, na atividade de professora e criação de espetáculos produzidos por ela há 25 anos. E são as bodas de prata de sua escola que ela neste sábado na Estação Cultural, espaço administrado por ela há dez anos. A noite terá shows de Roger Resende e do Trio Só Forró – sem se esquecer da dança, claro, com direito a milonga para os dançarinos de tango e outras atrações.
A professora, dançarina e coreógrafa iniciou suas aulas em 1991, quando montou uma escola de dança no interior do Clube Caiçaras, dando prosseguimento à sua ligação com o bailado que não morreu mesmo tendo cursado educação física na UFJF – foi na instituição de ensino, aliás, que surgiu o incentivo para o “dois pra lá, dois pra cá”, que inclui ritmos como samba de gafieira, tango, bolero, valsa, forró, salsa e zouk, entre outros. “Conheci um rapaz de Caratinga que dançava, e começamos a sair para dançar. Depois entramos juntos no teatro, e o Gueminho (Bernardes, ator e diretor de teatro) sempre criava uma cena de dança para nós”, conta. “Depois ele se formou em medicina e foi para o Rio, e eu encontrei uma amiga que era doutoranda em dança. Ela me convidou para dar aulas em 1989, mas vi que precisava aprender mais. Parti paro o Rio de Janeiro também e conheci o Jaime Arôxa, Carlinhos de Jesus e a Maria Antonieta Guaycurs de Souza, professora dos dois e que ajudou a manter a dança de salão viva. Fui aprendendo com essas aulas, workshops, pesquisas.”
Ao voltar para Juiz de Fora, Silvana apresentou o projeto de sua escola de dança para vários clubes, mas apenas o Caiçaras demonstrou interesse e encampou a ideia. “Fiz a aula inaugural com cerca de 60 pessoas, e na segunda apenas um aluno apareceu. Mas não desistimos, e assim não parei mais”, diz. “São 25 anos fazendo a divulgação da dança, com apresentações em vários pontos da cidade e ensinando várias gerações.”
Para manter viva a tradição
Com a procura crescente por parte do público, o Estúdio de Danças Silvana Marques ficou por quatro anos no clube, mudando-se em 1995 para o bairro São Mateus, em uma casa nos fundos de um terreno. Ela ficou no local por cerca de dez anos, até o acaso (ou seria o destino?) ser responsável por mais uma mudança – desta vez, para a Praça da Estação, onde alugou um casarão onde está localizado atualmente a Estação Cultural. “Há momentos em que você precisa de uma mudança, mesmo sem perceber. Um dia eu estava passando pelo local quando vi uma placa anunciando o aluguel; fui até a imobiliária, peguei a chave, voltei até lá e fiquei enlouquecida”, relembra, acrescentando que a “descoberta” se deu na mesma época em que o proprietário da casa onde a escola estava anteriormente havia pedido recentemente a devolução do imóvel. “Precisava de uma grande reforma, mas tive coragem mesmo com minha família não sendo muito a favor devido ao local. É a memória afetiva ruim que as pessoas têm daquela região, e que precisamos mudar, ali faz parte da história da cidade.”
Pode-se dizer que Silvana encontrou o imóvel certo (um espaço com dois andares) na hora exata. “Só posso agradecer às pessoas que se dispuseram a ajudar sem receber. O William Pereira (um dos proprietários) disse que faria a reforma se conseguisse um arquiteto, e o Rogério Mascarenhas cumpriu todas as obrigações elencadas pelo Patrimônio Histórico. A engenheira Gisele Machado também foi importantíssima nesse momento. Saímos dos fundos de um terreno, sem visibilidade, para um lugar que faz parte da história da cidade. A família Pereira tem um orgulho imenso pelo prédio, o primeiro particular a ser tombado pelo município.”
Desafios
Manter a escola e a tradição da expressão artística não é tarefa fácil, aponta a professora. Ela lembra que a dança de salão era popular entre as décadas de 1950 e 1960, mas que sofreu com a concorrência da discoteca nos 70 e só voltou a ter destaque com o sucesso da lambada, no final dos anos 80. “Produzir cultura é muito difícil, e a dança, então, tem consumo quase nenhum. Precisamos fazer um trabalho de formação de público, alunos. Por mais que a dança esteja na TV, a gente ainda vive uma configuração em que somos vistos como supérfluos. Quando se está na crise, a dança é tirada do cotidiano por ser vista como supérflua. Mas tentamos mostrar que essa autoestima que a dança oferece é fundamental.”
Como prova de que é possível aumentar o número de praticantes, Silvana diz que há na cidade, atualmente, cinco mil pessoas praticando a dança de salão, o que considera baixo. “A dança de salão tem que ser disseminada. O mais duro é não termos um grupo mais organizado. E há o problema de ela ser vista como algo mais comercial. Eu participei de grupo de teatro, o que talvez me faça ter uma visão mais artística que empresarial. É claro que não dá para viver no Brasil só dançando, é preciso ser professor também para poder ganhar a vida. E eu gosto muito de ensinar, mas gostaria também de estar em cartaz com algum espetáculo.”
Dentro dessa visão artística, um dos desejos de Silvana Marques era aproveitar ainda mais o espaço da escola, que costuma ficar ocioso durante o dia, já que as aulas são realizadas majoritariamente à noite. “Gostaria que fosse um local mais aberto, que recebesse mais projetos e se tornasse uma associação com o propósito de agregar pessoas, não ser apenas um espaço de dança.”
Documentário
A preocupação da professora em incentivar a atividade artística também passa por outro projeto: a produção de um documentário. “A questão da memória é uma deficiência em todos os níveis, e no nosso caso é pior. A ideia é registrar esses 25 anos de histórias, pegar o material que tenho e resgatar também o que aconteceu antes, porque ainda há pessoas que dançaram nos principais clubes da cidade, quando a dança era importante para o convívio social dos jovens”, diz. “Estava pensando em fazer este ano, mas não consegui trabalhar o projeto, mas vamos tentar em 2017”, encerra.
BODAS DE PRATA DO ESTÚDIO DE DANÇAS SILVANA MARQUES
Neste sábado,às 21h
Estação Cultural (Rua Halfeld 235)