Uma experiência sem preço
Incentivar o desapego, as práticas artísticas e a circulação de bens materiais e imateriais. Esses propósitos sustentam iniciativas que estimulam o consumo consciente e colaborativo, como a Feira Grátis da Gratidão, que acontece hoje, pela primeira vez, em Juiz de Fora. O evento será realizado das 13h às 18h, na Praça da Estação, no Centro, e já tem mais 2.600 confirmações de presença pelo Facebook.
Inspirada nas “Las Gratiferias” argentinas – gratifeiras, em português -, a Feira Grátis da Gratidão vem se popularizando mundo afora e já acontece em diversas cidades de vários países. Nela, nada tem preço. A gratidão de quem leva a doação é, segundo os organizadores, a moeda mais valiosa.
Diferente dos mercados de permuta, onde o visitante só leva alguma coisa se tiver algo para dar em troca, no evento de hoje, os participantes doam o que sobra para eles, sem necessariamente levar algo no lugar. Aí também é revelado o caráter filantrópico da ação que, com o lema “Leve o que quiser ou nada, pegue o que quiser ou nada”, reúne gente que preza a dedicação ao próximo, rejeita o consumismo desenfreado e deseja ampliar o número de amigos reais, cerceado cada vez mais pelos muros dos condomínios, pela violência urbana e pelos grupos virtuais.
Roupas, brinquedos, livros, CDs, aferição de pressão arterial, pula-pula, aromaterapia, massagem, maquiagem, consultas com nutricionista e educador físico, oficinas de dança, aula de relaxamento, reciclagem de jornais e revistas, “abraço grátis” e “sente-se que eu te escuto” estarão entre os objetos e serviços previstos para a primeira gratifeira da cidade. Segundo Wallace Souza, um dos organizadores do evento, “o que sobra para um pode faltar para o outro, então, o importante é desejar que o destino daquele objeto ou serviço seja o melhor para a outra pessoa.”
‘É de graça!’
A ideia de trazer a gratifeira para Juiz de Fora nasceu em julho passado, quando o estudante de ciências da computação da UFJF Antônio Samuel, 21 anos, participou da 1ª Feira Grátis da Gratidão de Vitória (ES). “Ao chegar na Praça Costa Pereira (considerada o coração da capital capixaba) e ver aquela multidão em prol do amor ao próximo, independente de classe social, religião ou partido político, pensei: Tenho que levar essa energia para minha cidade.”
Segundo ele, os visitantes se aproximavam incrédulos, sem saber se poderiam pegar os objetos mesmo não deixando nada em troca. “Voluntários estão sempre a postos para explicar que a base da feira é o desapego e que, sim, pode pegar o que quiser e é de graça!”
Disponibilizar materiais que vão encontrar um interessado em prolongar sua vida útil, ao invés de comprar um novo, é um dos pontos destacados pelo estudante. “Guardamos em casa tanta coisa que não precisamos, mas que pode ser importante e útil para outras pessoas.”
Antônio, pelo simples prazer de contribuir e ser útil para a sociedade, trouxe a gratifeira para Juiz de Fora. Doou seu tempo, sua energia e sua boa vontade para organizar o evento. “Quero mostrar para todos que existem pessoas que se doam para o bem, não são egoístas e querem contribuir para um ambiente melhor para todos.”
Consumo colaborativo nas redes sociais
Em 2011, a revista norte-americana “Time”, uma das mais conceituadas do mundo, definiu o consumo colaborativo como uma das dez ideias capazes de mudar o planeta. Essa prática tem como proposta central a troca, o empréstimo ou a compra de objetos usados, diminuindo o desperdício de matéria-prima, energia e dinheiro. Além dos fatores materiais, a publicação mostrou a troca como algo que vai muito além da transferência de um produto de uma mão à outra. A “Time” defende que, por trás de um objeto usado, existem uma história e uma pessoa.
Esse foi o sentido que motivou o estudante e professor de filosofia, Ryan Martins Silva de Oliveira, 22 anos, a criar no Facebook o grupo “Venda e troca de livros Juiz de Fora”, que soma cerca de três mil membros. “Tenho o hábito de trocar livros e outros materiais há bastante tempo. No caso dos livros, a troca pode ser ainda mais interessante. Além de se tratar de um repasse de conhecimento, existe uma história pessoal. Em alguns casos, ele traz nas páginas comentários dos primeiros donos”, explica Ryan, que se preocupa em saber o porquê da cessão. “Isso acarreta, normalmente, em outras boas histórias.”
Para Ryan, a importância do grupo também está na difusão do conhecimento e da literatura. “Um livro é uma forma de expressão humana que, às vezes, é até mais eficaz do que uma conversa, pois exige uma reflexão sobre a obra e o conteúdo, o que não ocorre sempre nos diálogos contemporâneos.”
Diariamente, segundo Ryan, surgem, no mínimo, 20 novos participantes no grupo virtual. “Alguns têm intenções puramente financeiras, colocando preços irreais e que não condizem com o propósito do grupo. Mas outros entram só para doar ou fazer sorteios de livros. Estão em busca mesmo da troca de conhecimento.”
Prateleira virtual
Fora das redes também é possível encontrar espaços voltados para o compartilhamento da boa leitura. No site ‘Livra Livro’ (www.livralivro.com.br), autointitulado como “a maior comunidade de troca de livros do Brasil”, os usuários cadastram os títulos que têm disponíveis e fazem uma lista com os que desejam adquirir. São milhares de obras ofertadas na prateleira virtual, e o melhor, não é necessário abrir a carteira para apreciar suas páginas.
A plataforma é uma iniciativa independente com o objetivo de fomentar a propagação do conhecimento no país. O troca-troca de cultura funciona assim: quando um usuário solicita um dos livros de sua lista, você envia o exemplar e, assim que ele for entregue ao destinatário, é creditado um ponto que lhe dá direito a solicitar outro livro de qualquer membro da comunidade.
O site também abre espaço para o cadastro de instituições de ensino e associações filantrópicas que desejam receber doação de livros. São escolhidas as categorias desejadas e fornecidos os contatos para pessoas físicas ou jurídicas que desejam contribuir com a formação e educação dos brasileiros.