Por mares infantis
O que é esse risco? Um dragão, responde a criança. Uma casa, diz outra. Uma cobra, constata, ainda, outra. Acostumadas a olhar para as nuvens e enxergar um sem-fim de seres e coisas, as crianças criam seus próprios universos de imagens, onde nem tudo exige lógica, mas um tanto de magia. Nesse espaço, há lugar para um homem que vive na terra e uma mulher que habita o mar, e desejam se encontrar. Em “#Mergulho”, espetáculo que desembarca neste sábado, 5, às 15h e às 18h, no CCBM, dentro da programação do 9º Festival Nacional de Teatro de Juiz de Fora, são os pequenos quem ajudam os dois personagens a se encontrarem em algum ponto. “Elas não vão apenas para assistir, mas para viver, para ter uma experiência”, comenta a atriz Sandra Coelho, integrante da Eranos – Círculo de Arte, coletivo de Itajaí, em Santa Catarina.
Voltado para crianças de 2 a 6 anos, o espetáculo surgiu de encontros realizados com pequenos alunos da rede pública catarinense, convidados a criar narrativas com o tema mar. “Tínhamos um direcionamento: um espetáculo com o mar, que no universo de Carl G. Jung é o inconsciente. O que é interessante para a criança a partir disso?”, questiona. “Primeiro precisamos desconstruir uma série de conceitos que elas traziam de casa e da escola”, conta Sandra, que levou um ano para concluir as pesquisas, cuja técnica utilizada foi a da “Imaginação ativa”, desenvolvida pelo psicoterapeuta suíço. “Essa técnica busca sair da racionalidade, trazendo um olhar primordial da criança, sem a experiência do adulto, como uma moça que vive debaixo da água, num reino que foge do mundo lógico.”
Enquanto a sociedade, inclusive as escolas, repassam as normas necessárias para o desenvolvimento dos pequenos, inserindo-as num mundo racional e coerente, a peça persegue esse lugar imaginativo, onde as possibilidades são ilimitadas e, por isso, irreverentes. “Não queríamos que o espetáculo fosse racional, literal. Ansiávamos por um espetáculo de crianças para crianças, que refletisse o imaginário da primeira infância”, explica a atriz, também psicóloga e escritora. “Aos poucos, à medida em que vamos crescendo, perdemos isso, nos transformando em adultos pouco imaginativos”, afirma ela, pontuando a escassez de produções voltadas para essa faixa etária. “O teatro pode ser um espaço da imaginação, e o ser humano carece disso durante a vida. Nosso teatro ainda é muito limitado, até porque é muito difícil falar com essas crianças.”
Quase um tablet
Uma casa com todas as cores, um jardim com todas as flores, uma floresta com todos os bichos. Se não alcançam a fidelidade exigida pelos adultos, as crianças surpreendem ao extrapolar os tons e as formas. E para elas e por elas, “#Mergulho” também se firma numa estética surreal e colorida, recusando a iluminação do teatro e lançando mão de uma contínua projeção que se estabelece no fundo da cena e no piso. Como num tablet, deixa que as crianças participem da manipulação das cenas. Ora elas remam junto da mulher, ora ajudam a “alagar” todo o piso com um mar virtual. “Esse recurso possibilita que elas reajam às imagens, às sensações, criando uma linguagem que se identifica com a delas e, assim, acessa todos com mais precisão”, argumenta Sandra Coelho.
E para dialogar com tanta projeção, é preciso muito ensaio? “Como é um espetáculo interativo, não conseguimos fazê-lo sem plateia. Tivemos pouquíssimos ensaios. Tudo só acontece na relação com as crianças. Há duas camadas: os atores reagindo às crianças e os adultos, atrás, em volta delas, assistindo tanto o espetáculo que fazemos quanto os que as crianças apresentam”, conta a atriz, defendendo a tecnologia em cena. “Alguns acreditam que a projeção rouba um lugar do teatro ortodoxo, mas, para nós, é um recurso de interlocução. Não é cinema, mas um meio, apenas. Não é um recurso frio, mas que se humaniza com o contato.”
Superarriscado
Imprevisíveis, os pequenos espectadores, que dão vida e fazem existir a cena, também demandam dos atores Sandra Coelho e Leandro De Maman – que assinam como pesquisadores, excluindo a convenção de dramaturgia – uma atenção para que tudo não alcance o caos. “É superarriscado”, assume Sandra. Contudo, com a passagem do tempo, com a experiência das apresentações, o repertório de reações é ampliado, tornando o incontrolável um pouco mais dominado. “Como grupo acreditamos no espectador participativo. Todas as nossas performances e montagens têm o público como parte da obra. As pessoas devem ter um papel ativo na arte e não passivo. Não acreditamos num espetáculo que acontece com todos parados, sentados”, discursa a atriz. “Sempre estamos pisando em algo que é, mas não é. Se o espetáculo é transgressor, não fazemos intencionalmente. Não fazemos para romper, mas por acreditar que é um caminho. Queremos o que é menos ortodoxo por ser de nosso gosto. Preferimos ser surpreendidos.”
#Mergulho
Dia 5 de setembro, às 15h e às 18h
CCBM
(Av. Getúlio Vargas 200 – Centro)