Dias de periscope
Uma das séries mais legais da TV por assinatura nos dias atuais, “Silicon Valley”, mostra a batalha diária da galera do ramo da informática para inventar e desenvolver o aplicativo/programa/rede social da vez que vai revolucionar o mundo e garantir algumas centenas de milhões de dólares – ou até mesmo bilhões – para o sujeito. Tudo para suprir a demanda alucinada de novidades que envolve a internet e toda a parafernália tecnológica que temos à mão, sejam celulares, PCs, laptops, tablets, televisão, até mesmo relógios.
É a sociedade pós-consumista, que não pode viver sem uma novidade que possa exibir para o mundo, além de exibir a si mesma, numa versão mais radical dos 15 minutos de fama de Andy Warhol. É gente que coloca foto no Instagram, que compartilha textos e imagens no Facebook em busca de curtidas, compartilha vídeos de gatinhos no YouTube e precisa, a todo instante, mostrar o que está fazendo e onde está. E é dessa demanda de imediatismo que surgiu, em março, o Periscope, aplicativo desenvolvido por Kayvon Beykopour e Joe Bernstein, logo vendido para o Twitter e que permite aos seus usuários mostrar a todo mundo, em tempo real, o que acontece em suas vidas.
Parecido com outro serviço de streaming, o Meerkat, o Periscope tem um esquema simples: o sujeito que tenha celular com sistema operacional Android ou iOS pode criar uma conta no serviço ou se conectar via Twitter. Aí, basta colocar a câmera para transmitir o que estiver fazendo e esperar que seus contatos assistam ao vídeo na hora ou, caso o usuário autorize, reproduzir dentro de 24 horas. A princípio, o Periscope pode ser considerado mais uma ferramenta para o narcisismo – e o que se vê na internet justifica isso, muitas vezes -, mas não faltam usuários que aproveitem a ferramenta para divulgar seus trabalhos ou fazer transmissões em tempo real de eventos de interesse público.
Um bom exemplo pode ser encontrado aqui mesmo em Juiz de Fora. Banda veterana no cenário local, o Martiataka realizou sua primeira transmissão pelo serviço de streaming no último dia 25 de setembro, no estúdio Maquinaria, onde fizeram um ensaio aberto. “A gente sempre pensa em algum meio de divulgar on-line o que fazemos. Eu acho fantástico poder transmitir ao vivo, compartilhar a experiência de alguma forma, mesmo que não tão forte. É como o Rock in Rio, em que não fui mas pude assistir pela TV. O fato de o vídeo ser apagado é curioso também, porque o sujeito sabe que vai ter que esperar o próximo show ou ensaio da banda se não assistir na hora. Vejo que o Periscope provoca reações positivas e negativas, devido ao imediatismo, mas como produção cultural é muito interessante”, diz o o baixista do grupo, Thiago Salomão, lembrando que o grupo espera usar em breve o Facebook Mentions, criado pela empresa de Mark Zuckenber e que tem o mesmo princípio do Periscope.
Também de Juiz de Fora, o administrador de empresas e produtor de eventos Daniel Batata conheceu o Periscope há cerca de quatro meses e agora usa o aplicativo para transmitir os campeonatos de tênis de sua academia, no Bairro Bandeirantes. “De vez em quando, também coloco alguns dos professores para darem dicas aos internautas. Vi que poderia ser usado para divulgar meu negócio”, destaca Daniel, que aproveita o aplicativo de streaming para assistir a vídeos ligados ao esporte.
Nova York on-line
A gestora em gestão do conhecimento Larriza Thurler está em Nova York desde o meio do ano, onde foi fazer parte do seu doutorado em ciência da informação pela IBICT/UFRJ, e está aproveitando o Periscope para conhecer melhor o que rola na cidade que nunca dorme e manter contatos profissionais e acadêmicos. “Passei a usar o Periscope com mais frequência aqui em Nova York, para assistir a palestras de algumas universidades no Brasil, acompanhar notícias (como a “Time”, que tem feito uma cobertura sobre a crise dos refugiados), para saber como as pessoas estão usando o aplicativo e ficar por dentro do que está acontecendo na cidade, próximo a mim (dá para abrir um mapa e ver o que está sendo transmitido por localização)”, explica.
“Fico atenta ao barulhinho que o aplicativo faz alertando que alguém que você segue está começando uma transmissão. Também tenho transmitido vídeos de shows e dicas de lugares bacanas que estou conhecendo, assim como de palestras relacionadas ao meu tema de pesquisa. É interessante ver a audiência aparecendo para conferir o que você está transmitindo ao vivo e dando corações (que é o equivalente ao curtir do Facebook). Geralmente quem acompanha minhas transmissões são pessoas desconhecidas, pois minha família no Brasil ainda não usa o aplicativo. É uma ferramenta muito prática para se transmitir vídeos, com a possibilidade de interagir por meio do chat. Basta ter um bom conteúdo, um título que chame atenção e apertar um botão.”
Separando o trigo… do resto
Assim como tantas opções da internet, o Periscope também sofre com o excesso de informação, pois qualquer um pode se transformar em “correspondente” de sua própria vida e naqueles que tentam usar a ferramenta para divulgar seu trabalho. Para quem possui o aplicativo no celular, é mais fácil filtrar o joio do trigo, mas a busca por meio do Twitter pode ser um exercício árido, uma vez que os vídeos permanecem por apenas 24 horas, e talvez aquele vídeo do seu artista desapareça na multidão – na verdade, a busca de celebridades usando o Periscope foi infrutífera.
Dentre o que pode ser considerado “inútil”, o internauta pode se deparar com três alunas adolescentes jogando conversa fora na Suíça para um público de 20 pessoas; uma americana dirigindo pela Califórnia enquanto declama letras do rapper Ludacris para 30 espectadores; um sujeito aguardando o ônibus que vai levá-lo ao Rock in Rio; muçulmanos dando um rolê em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos; a transmissão de um pôr do sol em Roma, nas proximidades do Vaticano, acompanhada por quase 200 internautas; e até mesmo um campeonato de embaixadinhas (ou “dominadas” para eles) em praias mexicanas, com direito a brasileiros passando vergonha no domínio da bola – por sorte, menos de 20 pessoas acompanhavam o “evento”.
Mas a ferramenta de vídeo em tempo real também é usada para coisas sérias, muito sérias. Na Venezuela, por exemplo, o principal opositor ao governo, Henrique Capriles, usa o Periscope para criticar o governo de Nicolás Maduro e incentiva o povo a aderir ao Periscope – que, segundo ele, é o principal meio para burlar a censura e a repressão do governo bolivariano. O drama dos refugiados que chegam à Europa pode ser acompanhado, ao vivo, graças ao Periscope.
Para muitos, o ponto mais controverso do aplicativo diz respeito à cultura. Desde que entrou no ar, o Periscope tem sido usado para transmitir em tempo real shows por todos os pontos do mundo, permitindo ao internauta brasileiro, por exemplo, assistir a uma apresentação ocorrida na Inglaterra. Sem contar a polêmica de meses atrás, quando vários usuários transmitiram por meio do serviço de streaming capítulos inteiros da série “Game of Thrones”.
Mas como tudo tem o seu lado “bom”, o Periscope é usado para os artistas divulgarem a sua arte, transmitindo shows, ensaios etc.