Duas escritas que se encontram
A história do grupo Trama, de Contagem, começou em 1998 com João do Rio e seu “O homem da cabeça de papelão”. Mais de 15 anos após a montagem, a trupe volta à obra do jornalista e cronista com o espetáculo “A alma encantadora das ruas”, uma livre adaptação do já falecido dramaturgo paulista Reinaldo Maia para o texto homônimo do escritor carioca. “São dois artistas urbanos, voltados para os problemas das grandes cidades, dos conflitos, das relações”, afirma Epaminondas Reis, diretor da peça, que será apresentada em Juiz de Fora nesta sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h, no Diversão & Arte Espaço Cultural, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e patrocínio da Petrobras.
Em cena, a rua e toda a sua complexidade. Um espaço de personalidade própria e com poder de construir e transformar o homem. Um espaço com vida. “O Reinaldo vai costurando a escrita do João do Rio, que é de 1902, com as questões atuais das cidades modernas. Ele mostra que as coisas não mudaram muito de lá para cá, as ruas continuam mostrando suas injustiças e mazelas”, diz o diretor, dando pistas de como esse encontro se realiza no palco. “Conservamos a poesia do João do Rio com o texto mais direto do Reinaldo. Criamos uma atmosfera de imagens poéticas.”
De acordo com Epaminondas, a intenção é dar ao texto o lugar de destaque que ele merece. “A montagem ficou bem concisa, tanto na movimentação dos atores, quanto nos figurinos e na trilha sonora. Nosso trabalho foi um pouco de criar imagens que pudessem colaborar com a grandeza dessa obra”, diz ele, explicando que, ao investir na simbologia, o grupo quis ativar a memória do espectador. “Você não vai ver uma rua, um poste, uma casa, mas tem toda uma construção poética que vai te levar para a memória de uma cidade, das ruas em que você viveu na sua infância, adolescência e fase adulta.”
Retorno para trocar experiência
O Trama já é conhecido de Juiz de Fora e retorna para fazer o que mais gosta: “Trocar experiências, conhecer um pouco a atuação de outros grupos. Essa é uma prática nossa. É o meio que temos de criar uma rede de compartilhamento de ideias e ações”, assevera Epaminondas, pela primeira vez à frente da direção de um espetáculo da trupe. Em meio a essa turma em que ele é ator e produtor, impera a coletividade. “Não temos um diretor fixo, convidamos sempre um profissional de fora. Nosso processo é colaborativo, e todo mundo está envolvido na direção, no cenário, no figurino.”
Com cerca de 17 anos de estrada, o grupo ocupa o Espaço Trama Contagem desde 2011. Por lá, existe uma programação contínua de apresentações teatrais do próprio repertório e de outras formações, além de oficinas, encontros e seminários, abertos à população. “O grupo não tem uma linha de atuação. Assumimos questões que têm a ver com a sociedade e que trazem uma discussão que possa servir para ela.”
O homem que revisitou essa história
O “feliz” encontro do Trama com Reinaldo Maia ocorreu em 2008, um ano antes da morte do dramaturgo e diretor teatral, que estava entre os redatores da Lei de Fomento à Cultura do Estado de São Paulo. “O Reinaldo participou de um projeto que fizemos com vários grupos, sobretudo, da periferia da Belo Horizonte. Ele veio com a missão de ter uma conversa franca com os grupos, falar sobre o trabalho que eles estavam desenvolvendo. Não era para dizer se era bom ou ruim, bonito ou feio, mas se eles estavam sendo honestos com o que estavam dizendo”, conta Epaminondas. Para o diretor de “A alma encantadora das ruas”, aquele momento de troca foi um divisor de águas para muitas daquelas formações.
“A questão que ele colocava era: ‘Será que vocês estão realmente trabalhando para a comunidade?’ Como ele sempre foi um militante dessa função social, ele tinha uma bagagem enorme para falar com a gente. Tanto é que, a partir disso, muitos não quiseram mais trabalhar com teatro, porque entenderam que estavam com um discurso, mas a prática era outra. Por outro lado, outros se fortaleceram ainda mais”, comenta Epaminondas. Dessa experiência, surgiu a publicação “Trama em Revista 2: Encontro com Reinando Maia”, que será distribuída gratuitamente nos dias das apresentações. “Traz uma análise do Reinaldo sobre o projeto e depoimentos de participantes e de amigos. É mais do que uma homenagem, é um material de estudo para grupos iniciantes.”
Além de ator, dramaturgo e diretor teatral, Maia foi um dos fundadores do grupo Teatral Folias D’Arte, em 1990, da cidade de São Paulo, e atuou como um dos principais articuladores do movimento Arte Contra a Barbárie, organizado na capital paulista por trupes teatrais inconformadas com os obscuros critérios de seleção para a obtenção de recursos provenientes da Lei Rouanet. Como autor, deixou “Uai, WhyNot” e os ensaios “Ator-Criador” e “Brecht visto da rua”.
A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
9 e 10 de outubro, às 20h, 11 de outubro, às 19h
Diversão & Arte Espaço Cultural
(Rua Halfeld 1.322 – Centro)