Arte e sustentabilidade
O aniversário de cem anos da paróquia de São Mateus é aguardado com ansiedade e merece “que alguns sonhos se realizem”, dispara seu Luiz Antônio Cunha, coordenador do conselho administrativo da paróquia que, com 89 anos de história, ganha um projeto arquitetônico baseado em estratégias de sustentabilidade, palavra de ordem no século XXI. “Estamos no novo milênio, temos uma nova realidade pastoral, e a gente precisa adequar a vida da paróquia à comunidade que temos hoje, atendendo as necessidades do ponto de vista religioso, social e cultural.” Audaciosa, a proposta prevê um jardim vertical e soluções em segurança e acessibilidade, com a construção de um estacionamento, além de uma nova adequação para as instalações do extinto Cine São Mateus.
Tocado desde 2012, o “Complexo Arquitetônico paróquia São Mateus” foi bem recebido pela comunidade e, atualmente, aguarda aprovação da Prefeitura de Juiz de Fora. É no entorno que surgirão novidades, como a construção de uma edificação destinada à moradia dos padres e sala multiuso, com jardim vertical nas fachadas e instalação de placas fotovoltaicas (processo de conversão da energia solar). Os apartamentos terão uma área comum, dormitórios individuais, sala de estar e cozinha. Um estacionamento será feito no pavimento térreo da igreja e no subsolo da nova edificação. A ideia é que os carros entrem pela Rua São Mateus e saiam pela Rua Moraes e Castro. Os pedestres terão escadarias e rampas para acesso ao local. Para o primeiro andar do prédio, ainda está previsto um terraço com uma forração de grama.
“O tempo todo me vinha à cabeça a questão da gentileza urbana. Eu pensava em como aquele espaço poderia ser cedido para o bairro”, afirma a arquiteta Júlia Hallack, ressaltando a importância da igreja em tijolos maciços para a história de Juiz de Fora. “A intenção é conservar a memória que temos do espaço. São sensações de pertencimento das edificações da cidade”, diz Júlia. Se, de um lado, o novo se ergue, do outro, a solução foi tentar chamar para o agora as marcas de outros tempos. Por isso, para o local onde funcionava o Cine São Mateus, a arquiteta planejou descascar a fachada, deixando os tijolos aparentes. O local, composto por salão, mezanino, palco, banheiros, depósitos e vestiários, vai funcionar como um espaço multiuso, podendo receber palestras, espetáculos teatrais e exibição de filmes, respeitando os princípios religiosos. O mobiliário será reaproveitado. Bancos de igreja e cadeiras antigas se misturarão a cavaletes e mesas retráteis que garantirão a flexibilidade de layout. “Estamos idealizando uma pastoral social diferenciada”, sentencia Luiz Antônio.
“Temos uma edificação nova, a edificação da igreja, que não será mexida, e a do cinema, que chamamos de retrofit. Esse termo é muito utilizado para designar uma revitalização com mudança de uso. Essa é uma tendência na Europa”, diz Júlia, destacando que o diálogo entre as construções vai acontecer não só através das intercessões entre os espaços, mas também nos materiais usados. “O prédio novo vai funcionar como um pano de fundo para a igreja. Ela é que tem que sobressair. Queremos deixar os materiais como eles são. Teremos a vegetação, o tijolo aparente e a pedra bruta”, pontua a arquiteta.
Um pouco de verde em meio ao cinza
Em meio ao cinza que impera, merecem aplausos iniciativas que prevêem jardins verticais pincelando a paisagem da cidade. “A vegetação interfere no clima, ele fica mais fresco. A umidade está na raiz, mas há espécies que guardam,em si, a água. Dessa forma, ela não passa para a parede. Outra opção são os tijolos próprios para paredes jardins”, afirma a arquiteta, comemorando a mudança de consciência do brasileiro com relação a projetos sustentáveis, ainda que haja um longo percurso a ser feito nesse sentido. O preço, hoje, ainda é um fator que prejudica a disseminação de projetos do tipo. Segundo Júlia, os custos da obra da Igreja São Mateus ainda estão sendo levantados. A estimativa é que, iniciados os trabalhos, a construção nova fique pronta em um prazo de 12 meses.
“Como o retorno é em função do uso, ele não é viável de imediato. Vamos supor que uma placa fotovoltaica custe R$ 30 mil, a pessoa só vai começar a ver lucro em cinco anos. Porém, quanto mais essas iniciativas forem sendo difundidas, mais o preço vai caindo. A pessoa precisa acreditar que está fazendo um bom investimento. Quando ele tem uma parede verde, ele tem uma redução de temperatura e não precisa colocar o ar-condicionado”, diz Júlia, trazendo o exemplo de São Paulo, onde o Movimento 90 graus tem disseminado a instalação de jardins verticais para amenizar a poluição, o barulho das ruas e atuar como isolante térmico e acústico para os prédios.
“Sustentabilidade não é um estilo. Uma obra é sustentável pelos materiais utilizados, pelo sistema e pela implantação. Um projeto nesses moldes também se preocupa em alterar o mínimo possível a topografia do terreno”, assevera a arquiteta, enfatizando que a proposta assinada por ela considera um afastamento lateral entre a nova edificação e a igreja, com o objetivo de não obstruir a passagem de luz e a ventilação natural nos dois imóveis, além de sistema de aproveitamento da água da chuva.
“O que chamou nossa atenção nesse trabalho é que ele dá destaque à igreja como um monumento. A arquitetura dela, em formato de cruz, é bastante significativa. Nosso vão livre, se não me engano, só perde para o Cine-Theatro Central. As outras igrejas são cheias de pilastras. Também vimos a possibilidade de ter parte da energia sendo gerada pelo próprio espaço”, aponta Luiz Antônio, comentando que a paróquia estuda a captação de recursos internos e externos para a realização da obra. “Ainda não temos o volume fechado, e o que temos é para custear o projeto. Estamos nos adequando para pleitear, também, a Lei Rouanet.”
Conforme Luiz Antônio, esse pensamento vanguardista vem desde os tempos do Monsenhor Gustavo Freire, o primeiro padre da paróquia São Mateus. “Com sua visão de arte, ele viu que um cinema seria importante para a cidade e criou o Cine São Mateus para passar filmes de cunho religioso, mas também fazer a cultura chegar à comunidade”, conta Luiz, orgulhoso ao falar que a igreja realiza inúmeras atividades culturais e está em fase experimental de um sistema interno de televisão. “A igreja também tem que trabalhar nesse sentido. Temos um restaurador profissional que está sempre nos dando uma mão para que o fiel frequente um espaço harmônico. A arte também ajuda a rezar”, defende o coordenador.
A história, registrada na “Revista das Bodas de Prata da Paróquia São Mateus”, de 1952, diz que o primeiro local em que os fiéis da Rua São Mateus se reunia para celebrar a fé era uma pequena sacristia, erguida por volta de 1882. Aos poucos, surgiu uma capela, elevada à matriz em 1º de janeiro de 1927. O prédio sofreu com ações do tempo e tornou-se pequeno para o número de fiéis que chegava, sendo demolido na década de 1930. Projetada em estilo greco-romano por Ulysses Mascarenhas, a edificação foi erguida, recebendo a consagração do bispo diocesano, Dom Justino José de Sant’Ana, em junho de 1948.