Benefício deve ser revisado
Os gastos do Governo com seguro-desemprego deixam o país em alerta. No momento em que a economia caminha em ritmo lento, o aumento das despesas com o benefício tem preocupado o poder público, que já anunciou a intenção de “enxugar” os valores em 2015. Em dez anos, de 2004 a 2013, os custos mais do que quadruplicaram, passando de R$ 7 bilhões para R$ 30,6 bilhões, conforme o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) (ver quadro). No entanto, no mesmo período, a taxa de desemprego recuou de 12,4% para 4,6%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nem o aumento da empregabilidade, nem as alterações realizadas nos últimos dois anos para a concessão do benefício conseguiram frear os gastos. De janeiro a outubro deste ano foram R$ 24,4 bilhões. Enquanto o Governo não divulga as diretrizes para o próximo ano, especialistas apontam ações que podem contribuir para maior efetividade do seguro-desemprego e redução do impacto nas contas públicas.
Em Juiz de Fora, a realidade reflete o cenário nacional: a demanda pelo benefício explodiu nos últimos anos. Em 2012, foram 15.801 trabalhadores beneficiados, conforme dados da Secretaria de Estado de Trabalho e Emprego (SETE) de Minas Gerais. Em 2013, o número quase triplicou, saltando para 44.170. De janeiro a outubro deste ano, já foram concedidos mais benefícios do que em todo o ano passado, um total de 46.201. Os dados são do MTE e da Unidade de Atendimento Integrado (UAI).
Paralelo ao crescimento da demanda pelo seguro, ocorreu, também, o aumento das vagas de emprego. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), entre janeiro de 2012 e outubro de 2014 foram criados 9.243 novos postos de trabalho na cidade. Para a gerente geral da UAI Juiz de Fora, Andréa Deotti, a situação é justificada pelo aumento da capacidade de atendimento. “Em meados de 2012, o MTE passou a direcionar a demanda do seguro-desemprego para a nossa unidade. Em 2013, mais pessoas tomaram conhecimento sobre o serviço que fazemos.” Até o mês passado a média de atendimentos na unidade relativa ao benefício era de 90 por dia. “Agora, em novembro, ampliamos para 145.”
Na avaliação da gerente do convênio do Sine/MTE da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese), Lara Farah Valadares, Juiz de Fora reflete o cenário desenhado em Minas Gerais. “Acompanhamos o crescimento da taxa de emprego, mas também as demissões sazonais de vários setores, o que faz com que a procura pelo seguro-desemprego se intensifique em determinadas épocas do ano.”
Ela destaca que as cidades que têm a economia embasada nas áreas de comércio e serviços são as que mais sofrem essa variação de fluxo. “Os profissionais destes setores são os principais demandantes do seguro.” De janeiro a outubro deste ano, foram 195 mil benefícios concedidos aos ex-empregados do ramo de serviços, e quase 165 mil aos do comércio. “Estes números correspondem a 31% e 26%, respectivamente, do total dos beneficiados em Minas.” Em seguida estão indústria (19%), construção civil (14%) e agropecuária (6%).
A formalização do mercado de trabalho está atrelada ao aumento da demanda do seguro-desemprego, conforme explica o professor de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mário Rodarte. “No passado, a proporção de trabalhadores informais era muito grande, e eles não podiam requerer o benefício. Hoje a situação é diferente. Como existe uma alta rotatividade em alguns segmentos, mesmo em períodos de crescimento da ocupação, existem demandas expressivas pelo seguro-desemprego.”
Oferta de cursos não é suficiente
Em 2012, o Governo criou a regra de que o profissional que solicitasse o benefício pela terceira vez dentro de um prazo de dez anos deveria participar de curso de qualificação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) na sua área de atuação. A medida serviria como impulso para o retorno rápido ao mercado de trabalho e a coibição de que o benefício fosse utilizado de forma indevida, por mais tempo do que o necessário. O não cumprimento da norma pode acarretar no cancelamento do recebimento do seguro. No ano passado, a regra foi alterada novamente: agora, quem fizer o segundo requerimento num período de dez anos é encaminhado à capacitação.
Para o professor da Makenzie Rio, a iniciativa do Governo de criar novas regras, desde 2012, foi positiva. “Mas ainda é preciso o aprimoramento do modelo atual.”
Os ministérios de Educação e do Trabalho e Emprego e o Governo do Estado não informaram o número de profissionais que dão entrada no seguro-desemprego e são encaminhados aos cursos de qualificação do Pronatec em Juiz de Fora. Também não foi divulgado o total destes trabalhadores que conseguem a realocação no mercado de trabalho antes do término das parcelas de pagamento do benefício. Mesmo com a ausência de dados, os órgãos públicos garantem que a alteração na concessão do benefício tem surtido efeitos positivos.
“Ao vincular o recebimento do seguro à qualificação, aumenta-se as chances do trabalhador conseguir uma nova oportunidade de emprego. Estudos apontam que quanto mais tempo fora do mercado, mais difícil se torna a reinserção do profissional”, afirma a gerente do convênio do Sine/ MTE da Sedese, Lara Farah Valadares. “A medida também diminui as possibilidades do trabalhador procurar um emprego informal.”
Ela reconhece que algumas mudanças poderiam ser feitas para que a medida atendesse o público com maior eficiência. “A configuração dos cursos pode ser melhorada com o aumento da oferta das áreas de atuação e do número de vagas.” Para ela, a qualificação deveria ser pautada nas demandas do mercado. “Há muitas áreas que não possuem curso. Em outras, a procura dos segurados é maior do que o total de vagas oferecido.”
A gerente geral da UAI Juiz de Fora, Andréa Deotti, reforça, ainda, a necessidade de maior divulgação das informações aos segurados. “Muitos chegam até nós com várias dúvidas. Não sabem como funcionam a qualificação, temem que ao realizar o curso não recebam mais a parcela do benefício”, conta. “A iniciativa é muito positiva, mas falta conhecimento a respeito.”
Maior rigor pode reduzir custos
Além das questões relativas ao comportamento do mercado de trabalho, o coordenador do curso de Economia da Faculdade Makenzie Rio, Marcelo Anache, alerta que o desrespeito à legislação sobre o seguro-desemprego também contribui para o aumento da demanda. Ele analisa que, se feitas as contas, o trabalhador pode tirar vantagens do benefício. “Para quem ganha até dois salários mínimos e trabalha durante sete meses, por exemplo, o dinheiro da demissão com todos os benefícios equivale a um ano de trabalho.” Ele cita, ainda, os casos em que o profissional recebe o seguro e continua trabalhando sem carteira assinada. “É um período que ele conta com duas remunerações.”
Na avaliação de Anache, a atualização é necessária. “Tem que mudar a legislação. O acesso ao seguro deveria ser mais restrito.” Segundo ele, uma das primeiras mudanças deveria ser a reformulação do Sistema Nacional de Emprego (Sine). “É preciso buscar uma integração mais efetiva entre o seguro-desemprego e as políticas de qualificação e intermediação de mão de obra. Neste sentido, é urgente reformular o modelo atual do Sine”, afirma.
O professor de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mário Rodarte, concorda. “O seguro é uma importante política de bem estar social, pois elimina ou diminui uma grande fonte de incerteza que é a manutenção de renda devido à interrupção do vínculo do trabalho. Todos os países que procuraram desenvolver um estado de bem estar social construíram programas semelhantes”, reforça. “Mas, para que ele funcione efetivamente, é preciso conceder o benefício a quem realmente precisa encontrar um novo emprego.” Neste aspecto, ele defende que o programa deva filtrar melhor as demandas pelo seguro. “Não basta a pessoa ter saído de um emprego. É preciso que se prove a necessidade que ela tem de estar procurando outro. Isso, por si só, traria uma grande redução de benefícios concedidos desnecessariamente.”