Dragões do bem
Malvados, cuspidores de fogo, figuras horrendas com as quais o homem deve lutar e, por fim, exterminar. Os dragões povoam o imaginário humano há milhares de anos. Retratados como seres alados e semelhantes a grandes lagartos escamosos, no antigo folclore ocidental, estes seres eram frequentemente retratados como criaturas más e perigosas. Lendas da Idade Média mostram a matança de dragões como um rito de passagem para os cavaleiros. Entretanto, nas últimas décadas, a maioria dos dragões passou a ser retratada como criaturas mágicas, inteligentes e muitas vezes engraçadas, captando a imaginação de todas as audiências, especialmente das crianças.
No Brasil, a maior referência à criatura mitológica possui um viés religioso, relacionado à figura de São Jorge, cujo dia é celebrado no próximo sábado, dia 23. Entretanto, na real história do mártir do catolicismo, que viveu no século III, não há princesa guardada por um dragão em caverna a ser salva pelo nobre cavaleiro. Segundo o padre da Igreja Melquita, João Teodoro, a representação do dragão no cristianismo surgiu no livro do Apocalipse, escrito por volta do ano 100 d. C, no qual a criatura é símbolo de todo o mal terreno. Segundo o padre, na história, Jorge foi um soldado romano que se tornou mártir por se converter ao cristianismo e, por isso, foi torturado e decapitado. Na imagem poética que temos hoje de São Jorge, o dragão é o Império Romano opressor, vencido pelo testemunho de fé. Já a princesa defendida é a Igreja. Apesar de ter sido morto, o espírito de Jorge e sua fé venceram. Assim, hoje os fiéis buscam a intervenção de São Jorge contra todo o mal que os aflige, para vencer esses dragões.
Entretanto, na visão ocidental atual, segundo o professor do Instituto de Artes e Design da UFJF, Afonso Rodrigues, ocorre uma mudança de paradigmas. A figura do dragão, assim como de outras criaturas como lobisomens e vampiros, antes também vistos como seres malévolos, é apresentada como aliada e mesmo companheira de jornada. Filmes, quadrinhos, desenhos animados passaram a retratar os dragões como figuras temidas à primeira vista, mas que se tornam mutáveis e mesmo amáveis com o convívio com o homem. E esta é justamente a trama do mais recente filme a abordar os dragões. O desenho animado Como treinar o seu dragão, relata a história de Soluço, um jovem viking que não combina muito com a sua tribo de matadores de dragões. Sua situação piora quando o adolescente consegue domar um dragão, e ele terá que enfrentar o seu povo e os outros dragões, para tentar promover a paz entre os dois mundos. Rodrigues cita ainda outro exemplo, como o filme Coração de dragão. Nele, Sean Connery dubla o personagem título, que, mesmo sendo o último de sua espécie na Terra, cede parte de seu coração para o rei e se torna companheiro do cavaleiro, cuja função é matar dragões, mas que, ao conhecer Draco, desiste de sua empreitada.
A origem
Embora não haja um consenso, as mais antigas representações mitológicas de criaturas consideradas como dragões seriam datadas de 40.000 a. C. aproximadamente, em pinturas rupestres de aborígines pré-históricos na Austrália. Ao que tudo indica, esses povos consideravam as criaturas como deuses positivos responsáveis pela criação do mundo.
Entretanto, foi na China que a figura se enraizou na cultura e na religião. A presença de dragões é, inclusive, anterior à linguagem escrita e persiste até os dias de hoje naquele país, onde o dragão é considerado um símbolo nacional. Na cultura chinesa antiga, os dragões possuíam um importante papel na previsão climática, pois eram considerados os responsáveis pelas chuvas, essenciais para a agricultura.
Mas a visão positiva do dragão não chegou ao Ocidente e mudou por completo com a Idade Média. Neste período, eles passaram a ser vistos como criaturas negativas e inerentes ao mal. Eles se tornaram criaturas a serem combatidas. Ele é a força primitiva do interior da Terra que a racionalidade humana deve superar, comenta o professor Afonso Rodrigues. Ele explica que quando o dragão é utilizado como personagem no cinema ou em histórias em quadrinhos, o artista está fazendo uso de uma simbologia. E, embora esta tenha mudado ao longo dos anos, a iconografia continua a mesma, já que as características físicas permanecem inalteradas.
Das lendas para os games
Embora a figura dos dragões seja muito explorada no universo do cinema, é no Role-playing game (RPG) que as criaturas estão mais presentes, como personagens de um dos jogos que há alguns anos vêm povoando o universo de jovens no mundo todo.
Pedro Pinheiro Affonso transformou a paixão pelo RPG em trabalho. Há 14 anos jogando, hoje é funcionário da Taberna do Dragão, loja local especializada em venda de artefatos para o jogo. Segundo ele, no RPG os dragões podem ser representados tanto como seres bons quanto maldosos, mas uma característica é comum a todos: a força. Eles são tão poderosos dentro do jogo, que os personagens humanos não os enfrentam de frente, já que um único dragão pode matar todo um grupo de jogadores. Eles têm os dragões como inimigos ou aliados em sua jornada, ressalta.
Segundo Pedro, um dos jogos mais famosos é o Dungeons and dragons, conhecido de boa parte do público brasileiro. Seu primeiro capítulo deu origem ao desenho animado Caverna do dragão, em que jovens são transportados para um mundo paralelo e lá enfrentam o vilão Vingador e, muitas vezes, têm o grande dragão Tiamat como aliado na busca por um caminho de volta para casa. O ‘Dungeons and dragons’ é tão importante quanto todo o universo da saga ‘O senhor dos anéis’, uma vez que muitos filmes que vieram depois e abordam a temática acabam se remetendo a eles.