‘Falar de Nava é falar do humano’
“O período em que fui fazendo o estudo com ele foi de perda de muitas pessoas queridas. Foi muito sofrido e de muita dor, mas valeu a pena, porque, depois da morte, vem o nascimento. Todo mundo vai se apaixonar pelo Nava, com certeza.” A mesma sensibilidade revelada na conversa que tivemos para o “Sala de leitura” da Rádio CBN Juiz de Fora, a psicoterapeuta Rosângela Rossi expressa na literatura, arte aguçada ainda na meninice, aos 9 anos. “Sempre sonhava que seria escritora. É uma coisa de uma vida”, assevera a autora, que lança na próxima sexta-feira, no Museu de Arte Murilo Mendes, o livro “Pedro Nava no divã”, publicação em que alinhava ficção com declarações verdadeiras do autor de “Baú de ossos”.
“Falar de Nava sempre é uma questão que mexe com nossa alma. Ler os livros dele, que são densos, pesados, foi me tocando muito. Por isso eu o coloquei no divã. Ao falar com ele, eu via a dor do humano, as dificuldades, o processo de envelhecer e adoecer. Isso foi mexendo com a minha pisique, e imagino que mexe com todo mundo”, reflete a também membro da Academia Juiz-forana de Letras e colunista da Rádio CBN Juiz de Fora. As fontes de um processo de criação que durou um ano foram as páginas traçadas pelo próprio memorialista. “Tudo que foi escrito foi falado por ele mesmo, na obra dele. A ficção foi exatamente o espaço, porque as perguntas vieram de mim, são reais. O que ele falou foi literal, o cenário foi imaginário.”
Nesse “diálogo” que ela trava com o escritor, utilizando a psicanálise junguiana, Rosângela vai da infância à maturidade de Nava, até chegar a uma outra razão para o suicídio. Sua vida chegou ao fim em maio de 1984, aos 80 anos, após disparar um tiro contra a própria cabeça. A atitude seria atribuída a um telefonema recebido pouco antes da morte, no qual ele era chantageado em razão de um suposto caso homossexual. Pedro Nava também deu à literatura brasileira “Balão cativo”, “Chão de ferro”, “Beira mar”, “Galo das trevas”, “O círio perfeito” e “Cera das almas”, publicado postumamente e incompleto. A entrevista vai ao ar neste sábado, às 10h30, com reprise na segunda-feira, às 14h30.
Tribuna – Quando você teve a ideia de levar Pedro Nava para o divã?
Rosângela Rossi – Foi no momento em que percebi, lendo “Baú de ossos”, que, na realidade, ele já tinha determinado que iria dar fim a sua vida na hora em que ela não tivesse mais sentido. Percebi, no começo, que a questão do suicídio estava estabelecida. Pensei que esse seria o gancho. Foi exatamente quando a namorada dele, doente, se suicida. Eu falei: “Agora quero entender e pincelar esses momentos.”
– A razão que você cria para o suicídio coloca abaixo uma versão polêmica.
– Não importa o motivo sexual que todo mundo coloca, ele escolheu a morte durante toda a vida. Isso mexeu muito comigo.
– Quais foram as evidências que te levaram a essa conclusão?
– Primeiro, quando ele viu o pai com uma arma. Depois veio a morte da primeira paixão da vida dele; ele, como médico, lidando com as dores das pessoas e vendo o enterro de pessoas queridas. Durante toda a obra, ele vai lidando com esse limite entre a vida e a morte. Ele foi um homem muito inteligente. Essas pontuações me fizeram não só admirar Pedro Nava, ver que a escolha dele não foi só por doença, nem por insatisfação com a vida. Ele fala em sua obra que, se tivesse uma doença grave, daria fim à própria vida.
– Em algum momento, você teve receio de não ser fiel ao contexto em que as declarações foram feitas?
– Não, porque, primeiro, é literatura. Diferente da história, a ficção dá espaço para o imaginário. Segundo, eu conheço o sobrinho dele, Mateus Nava, que já veio aqui e está sabendo da obra. Na realidade, eu liberto Pedro Nava. Não coloco a imagem dele como negativa, pelo contrário, eu o trago com respeito imenso. Leila Barbosa e Marisa Timponi fizeram o prefácio.
– A família aprovou o projeto?
– Não me preocupei com isso. Eu pedi autorização para o sobrinho, e ele disse que não tinha nada que autorizar porque não estava falando nada contra o Nava. Se fosse jornalismo ou um livro histórico é diferente. Da mesma forma que vou fazer do Chaplin. Não tenho que pedir licença para ninguém, a minha licença é poética.
– Você conheceu Pedro Nava pessoalmente?
– Não, conheci pessoas que tiveram contato com ele. Ele me foi apresentado por ser meu patrono da Academia Juiz-forana de Letras. Foi aí que me debrucei sobre a obra dele para fazer a apologia. Foi uma surpresa. O Nava morou em Belo Horizonte, passou pelos lugares que eu passei, adorava Chaplin como eu, esteve na casa do meu avô assistindo aos filmes de Chaplin, e só depois que fiquei sabendo disso. Tive muita emoção. É muita sincronicidade.
– Que perfil você traça dele?
– Um homem sensível, amoroso, que tinha dificuldades de lidar com as questões do humano. O homem em si o afetava profundamente. Ele tinha essa amargura de ver pessoas fingidas, mentirosas. Era de uma honestidade fenomenal. Não tem ninguém como ele nesse sentido. Tenho amigos que foram cuidados por ele e dizem que, no consultório, era fantástico, muito culto. Fazia uma critica à religiosidade, mas frequentava o aspecto religioso. Também fazia críticas à sexualidade e considerava a pessoa livre para viver qualquer experiência. Era plural, um escritor magnífico, um homem rebelde e íntegro.
– Além das obras dele, quais foram suas fontes de pesquisa?
– Não me preocupei muito com o que os outros falavam dele. O livro foi escrito a partir da minha leitura, da minha amplificação, das minhas percepções. Quando escrevo, faço muito isso: são as impressões do que eu vejo. Sinto-me muito livre para falar por mim e sentir por mim. Sempre uso como referência a obra do autor. É ele por ele mesmo.
PEDRO NAVA NO DIVÃ
Lançamento de livro dia 24, às 19h
Mamm
(Rua Benjamin Constant 790 – Centro)