Gilney: Linhares foi palco de abusos
A Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora (CMV-JF) colheu um importante depoimento ontem à tarde, quando, pela primeira vez, um ex-preso político com passagem pela Penitenciária de Linhares relacionou, de forma efetiva, a unidade carcerária a situações de abusos físicos e psicológicos. Vindo de Brasília até Juiz de Fora exclusivamente para falar à Comissão, o ex-deputado federal Gilney Viana, 69 anos, relembrou o período de sete anos e três meses, entre maio de 1970 e agosto de 1977, em que esteve encarcerado em Linhares. “Essa história de que a situação dos presos em Linhares era tranquila é conversa fiada. Quem fala isso é porque passou por um curto período pela penitenciária, durante uma fase mais branda, ou porque veio para cá oriundo de um centro de tortura, onde as situações degradantes beiravam o absurdo. Talvez, uma referência como essa pode ter influenciado este tipo de declaração”, afirma Gilney, que, provavelmente, é o preso político que passou mais tempo encarcerado em Linhares.
Em entrevista à Tribuna, Gilney lembrou algumas situações de violação de direitos humanos vivenciadas na penitenciária. Apesar de a maioria dizer respeito à torturas psicológicas, ele relatou situações de abusos físicos. “Eram muitas as mesquinharias, que se agravaram a partir de 1971, quando houve uma troca na direção da penitenciária. Não cheguei a sofrer violência física, mas presenciei, pelo menos, dois espancamentos de companheiros. O terror psicológico acontecia no dia a dia, com constantes batidas nas celas e humilhações a familiares, por exemplo.”
Histórico
Atual assessor da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Gilney foi um atuante militante de esquerda e integrou à resistência ao Governo Militar instalado no Brasil após o Golpe de 1964. Mineiro de Crisólita, integrou a Corrente de Revolucionária de Minas Gerais e na Ação Libertadora Nacional (ALN), fundada por Carlos Marighella, grupo pelo qual chegou a participar de ações armada. Estava em um aparelho da ALN quando foi preso em março de 1970, aos 25 anos, iniciando uma passagem de quase dez anos por unidades carcerárias – entre elas, a Penitenciária – até ser libertado em dezembro de 1979. “Não fui anistiado. Saí em liberdade condicional.”
Gilney classifica os trabalhos das comissões da verdade, como a instaurada em Juiz de Fora, como fundamentais. “Contar a minha história para mim mesmo não tem importância. Eu vivi essa história. Mas estes depoimento às comissões e à imprensa são importantes para que aquelas pessoas que não tiveram acesso a essas informações tenham conhecimento do que ocorreu no país, para que possamos sanar algumas consequências que existem até hoje, como casos de abusos por parte de policiais militares, que nada mais são que resquícios da ditadura.”