Hasteando (e agitando) a bandeira
Às voltas com a montagem do Palco Fernanda Müller, que recebe o nome desde o falecimento da artista ícone da militância em Juiz de Fora, Trajano afirma a importância de se olhar para os talentos que a cidade formou ao longo dos últimos 18 anos e que agora se apresentam na programação, como MC Xuxú e Titiago Capuzzo. “Colocar o nome da Fernanda é uma homenagem simbólica a essa figura emblemática, extremamente talentosa, uma amiga muito fiel. Estivemos juntos desde a adolescência, nos conhecemos num bar chamado Embaixo da Escada, do início dos anos 1980. Ela foi a associada número 1 do MGM, tanto que foi a rainha da Parada em 2012, quando o tema era ‘Sou Juiz de Fora, sou MGM’. Ela faz parte da história LGBTI da cidade, que ajudou a criar outros tantos nomes”, comenta.Há dias em que dois movimentos se encontram. Os punhos cerrados, então, se abrem para bater no peito e dizer de um orgulho expresso nas bandeiras tremulando. O que é discurso se traduz em festa. A partir desta sexta, a luta de todos os dias se encontra com a cultura aprimorada ao longo dos anos, revelando as muitas faces da comunidade LGBTI. Com shows, desfiles, baladas e concursos, as atividades artísticas e culturais da 18° Rainbow Fest, que acontecem na Praça Antônio Carlos até domingo, apontam para a valorização de expressões que vão muito além do que a sociedade só aceita como caricatura. “A militância está no sangue. Tenho muito orgulhoso de participar tanto dos debates quanto das atividades culturais. Tudo é uma forma de bater no peito e dizer que nos orgulhamos de sermos quem somos. E isso revigora nossa existência”, entusiasma-se o presidente do Movimento Gay de Minas (MGM) Marco Trajano.
“Estar no palco para fazer um espetáculo e lutar pelos nossos ideais é incrível”, comemora Titiago, certo de que estar em cena também é estar num palanque. “Procuro, com meus shows, passar alegria, energia e, principalmente, um grito de igualdade. Sempre ao final dos shows peço a todo o público para bater muitas palmas contra a homofobia, contra a violência, contra todo tipo de preconceito. Desejo que a sociedade nos aceite da maneira que somos, que os olhares de diferença na rua não continuem”, brada. Para Trajano, tanto a festa quanto as discussões serviram e continuam a servir como mecanismo de progresso nas pautas LGBTI, ainda que casos como o do adolescente espancando, esta semana, no Bairro Nova Benfica, continuem a acontecer.
“A homofobia sempre existiu, meninos como este sempre apanharam, mas agora existe o apoio do pai, a polícia reconhece, e a mídia não legitima. Isso é resultado do movimento”, diz o presidente do MGM. “Infelizmente, o movimento não legisla nem executa, por isso não podemos ser responsabilizados por essas violências. Trazemos o debate e mostramos nossa cultura, fazendo a nossa parte, mas a política pública quem faz é o Governo. O inimigo é o outro, então precisamos, mais do que nunca, nos unir. É importante ver o gay da periferia com o gay da Zona Sul no Rainbow Fest, que é totalmente gratuito. É um pouco da praia, onde todos são permitidos”, acrescenta.
Espaço das verdades
O projeto futuro do Rainbow Fest é que o evento se torne o maior do país na promoção e valorização da cultural LGBTI no país. De acordo com o professor da Universidade Federal da Bahia e pesquisador Djalma Thürler, é arriscado “associar cultura guei somente às práticas guetificadas, como a de drag queens, gogo boys, homoerotismo e shows de transformismo. Evidentemente que tratam de expressões artísticas legítimas e de relação imediata e significativa, mas não são seus únicos indicadores”.
Nesse contexto, preocupa-se em abarcar não apenas a arte, ao reunir artistas da cena, como também em expor vivências. No sábado, o MGM Gay Show propõe performances de artistas que se inscreveram nas últimas semanas e chegados de última hora, que terão um salão de beleza à disposição para se apresentarem.
“Para pensar a cultura guei, podemos dizer, num primeiro momento, que esses símbolos são muito concretos, enredam uma sociabilidade específica, lugares de encontro, bares, boates, clubes, reuniões ou festas, aliás, é típico dos bares gueis servir como lugar de encontro e sociabilidade, ou até mesmo o único espaço onde os gueis podem sentir-se sendo eles mesmos, tendo atitudes de afeto em público, ou seja, sentem-se fazendo parte de um grupo”, acrescenta o pesquisador, em artigo para a Funarte, como proposição para as artes brasileiras. Anunciado no último dia 1º, a fixação de um Comitê Técnico de Cultura LGBTI pelo Ministério da Cultura também segue nesse sentido de reconhecer e estimular expressões LGBTI. “A gente precisa olhar menos para o que nos separa e mais para o que nos une”, pontua Trajano.
Dentro e fora dos padrões
Buscando suprir a lacuna deixada pelo mais tradicional concurso da cultura LGBTI – o Miss Brasil Gay -, o Rainbow Fest deste ano traz dois concursos, um seguindo os padrões vigentes de beleza, o Mister Gay Pride Brasil, que acontece às 20h do sábado, e outro, que confronta a estética do belo na sociedade ao apresentar transformistas acima do peso, o Miss Brasil Gay Plus Size. “O ‘Mister’ veio tentando suprir o vazio que ficou após o Miss Brasil Gay ter sido cancelado. Por ser um evento particular, não nos sentimos à vontade para fazer algo igual, mas desfiles de gays masculinos. A aceitação do ano passado foi muito boa”, afirma Marco Trajano. E foi o vencedor da edição passada do concurso, Rodrigo Pereira, quem propôs trazer a outra disputa, dos “plus size”, para Juiz de Fora.
“É urgente fugir dos padrões estéticos vigentes. É muito difícil e raro estar dentro do padrão estabelecido como o ideal, que é o do homem, hétero, branco e jovem. Os preconceitos são muitos. A gente precisa conviver com a diversidade, até mesmo dentro do movimento. Existem divergências, mas elas não podem se tornar antropofágicas, porque senão caímos no que a Simone de Beauvoir fala sobre a força do opressor se ampliar sem a união dos oprimidos”, comenta Trajano, destacando, ainda, o tributo a Cazuza na noite de abertura. “Ele é um símbolo de luta contra a Aids. Nos últimos dois anos, temos muitos conhecidos, jovens e gays, que morreram em decorrência do HIV. Há um aumento de contaminação na juventude brasileira, e precisamos conscientizar”, diz, mostrando que o tempo não para o discurso mesmo quando se faz festa.