Heróis em conflito
Qual a diferença entre a Marvel e a DC/Warner? Enquanto as duas concorrentes conseguem, na maioria das vezes, fazer bons e/ou excelentes filmes (exceto coisas do nível do sofrível “Lanterna Verde”), a primeira consegue suplantar sua adversária num quesito que pode fazer toda a diferença: criar um universo cinematográfico coerente e desenvolvido sem solavancos. Prova disso é o lançamento, nesta quinta-feira, de “Capitão América: Guerra Civil”, elo mais evidente entres as fases Dois e Três do Universo Cinematográfico Marvel (UCM, para os íntimos), que deve chegar ao seu ápice em 2018 e 2019, quando os dois volumes de “Vingadores: Guerra Infinita” estreiam na tela grande, após os lançamentos dos filmes do Doutor Estranho, Guardiões da Galáxia, Pantera Negra, Homem-Aranha, Homem-Formiga e Vespa e do Poderoso Thor.
É impossível comentar o próximo filme da Casa das Ideias sem lembrar o percurso até a produção comandada pelos diretores Joe e Anthony Russo, então senta que lá vem história. Enquanto a DC/Warner precisou colocar os carros à frente dos bois após o polêmico “Homem de Aço”, de 2013, anunciando “Batman vs. Superman: A origem da Justiça” como início do seu universo particular – e que terá o ápice acelerado em 2017, com “Liga da Justiça”, a Marvel usou a lógica dos quadrinhos desde 2008, com o primeiro “Homem de Ferro”, em que a cena pós-créditos mostrava Tony Stark e Nick Fury comentando a tal “Iniciativa Vingadores”. Depois, foi a vez de apresentar em seus próprios filmes Hulk, Thor e Capitão América – que junto ao Homem de Ferro, Gavião Arqueiro e Viúva Negra, promoveram a apoteose nerd em “Os Vingadores”, de 2012, encerrando a chamada Fase 1.
Com o seu Universo estabelecido, a Marvel tratou de deslanchar a Fase 2 e desenvolver novas tramas com os mais populares personagens da franquia e ainda promover arriscadas e bem-sucedidas apostas em nomes menos conhecidos, como o Homem-Formiga e a superequipe espacial Guardiões da Galáxia, além de reforçar quando possível a ligação do que rolava no cinema com a série de TV “Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D.” – em especial após os eventos de “Capitão América: O Soldado Invernal” (2014). A segunda fase do UCM teve fim com “Vingadores: Era de Ultron”, em 2015, deixando as bases para que “Capitão América: Guerra Civil” mostrasse o quanto todos os filmes da Marvel, de alguma forma, possuem uma conexão em que os atos de seus personagens teriam consequências futuras.
Inspiração nas HQs
De todas as produções lançadas pela Marvel até agora (12 entre 2008 e 2015), “Capitão América: Guerra Civil” é a mais conectada ao que já foi visto nos quadrinhos. A trama é baseada na saga “Guerra Civil”, publicada entre 2006 e 2007, desenvolvida por Mark Millar (roteiro) e Steve McNiven (arte) e que mostrava a revolta da população e políticos quando super-heróis agem de forma irresponsável. Participando de um reality show, os Novos Guerreiros (equipe de terceira divisão da Marvel) caçam um grupo de vilões fugitivos. Um deles, Nitro, provoca uma explosão que mata quase todos os vigilantes presentes e cerca de 600 pessoas, grande parte delas crianças que estavam em uma escola.
O resultado é a aprovação de uma lei que obriga todos os vigilantes a se registrarem, revelarem suas identidades secretas e trabalharem sob supervisão do governo americano. A decisão coloca os super-heróis em lados opostos, com o Homem de Ferro liderando o grupo que apoia a Lei de Registro e o Capitão América do lado daqueles que discordam da decisão, provocando um conflito que termina em batalha catastrófica em plena Manhattan, com vitória de uma das facções.
O filme dos irmãos Russo aproveitam boa parte da saga, com as mudanças obrigatórias devido a vários fatores. O primeiro é que a Marvel não possui os direitos dos X-Men e Quarteto Fantástico para o cinema, então personagens essenciais para trama (Senhor Fantástico, Mulher Invisível) não aparecem. Outros são de ordem prática: Visão, Homem-Formiga e Gavião Arqueiro não apareciam na Guerra Civil das HQs porque foram assassinados pela Feiticeira Escarlate no arco “Vingadores: A Queda”; a própria personagem estava maluquinha de pedra na época, pois havia extinto quase todos os mutantes em “Dinastia M”. O Homem-Aranha revelava sua identidade secreta na mega saga, e o Soldado Invernal mal aparecia na história.
Heróis se dividem
Todos esses personagens são importantes, de alguma forma, em “Capitão América: Guerra Civil”, que precisa lidar com os pecados dos heróis vistos nas produções anteriores. Apesar de agirem para salvar o planeta, os Vingadores acabam sendo vistos com desconfiança pelo mundo devido ao rastro de destruição deixado nas batalhas, seja contra a invasão alienígena em “Os Vingadores”, a destruição de Sokovia em “Era de Ultron” e os porta-aviões aéreos despencando sobre Washington em “O Soldado Invernal” – quando o Capitão América (Chris Evans) e Viúva Negra (Scarlett Johansson) precisaram lutar contra a Hidra, que havia se infiltrado em todos os escalões da S.H.I.E.L.D.
E a situação só piora quando os Vingadores enfrentam o grupo do vilão Ossos Cruzados (Frank Grillo) na África, que termina com a morte de dezenas de pessoas, e o atentado em Viena (Áustria) atribuído ao Soldado Invernal. As nações mundiais decidem aprovar o Tratado de Sokovia, que obriga os Vingadores a se registrarem e ficarem subordinados à ONU. Tony Stark (Robert Downey Jr.), o Homem de Ferro, sentindo-se responsável pela criação de Ultron, decide apoiar a iniciativa para que os Vingadores não cometam novos excessos, enquanto que o Capitão América acredita que apenas tendo liberdade de ação a superequipe pode defender o mundo de forma apropriada.
CAPITÃO AMÉRICA: GUERRA CIVIL
UCI 2 (3D/dub): 18h30 e 21h30. UCI 3 (3D/dub): 13h. UCI 3 (3D): 16h, 19h e 22h. UCI 4 (3D): 18h. UCI 4 (3D/dub): 21h. Cinemais 1: 15h30, 18h30 e 21h30. Cinemais 5 (3D/dub): 15h, 18h e 21h. Palace 1 (dub): 14h30, 17h30 e 20h30 (exceto segunda-feira). Santa Cruz 1 (dub): 15h15, 18h e 20h45
Classificação: 12 anos
Novos heróis – incluindo um tal Homem-Aranha
As diferenças entre o Capitão e Homem de Ferro, presentes desde “Os Vingadores”, obriga que os outros heróis tenham que assumir posições a favor ou contra o Tratado de Sokovia. O Capitão América tem como aliados Homem-Formiga (Paul Rudd), Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), Falcão (Anthony Mackie), Soldado Invernal e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner). Do outro lado, tomam partido do Homem de Ferro Viúva Negra, Visão (Paul Bettany), Máquina de Combate (Don Cheadle) e dois heróis que fazem sua primeira aparição no Universo Cinematográfico Marvel: Pantera Negra e, principalmente, o Homem-Aranha (Tom Holland).
O Pantera Negra foi o primeiro super-herói negro da Marvel, e nos cinemas é interpretado por Chadwick Boseman. O regente do fictício país africano de Wakanda aparece não apenas como preparação de terreno para seu filme solo, que estreia em 2018, como também é peça importante na trama e contraponto às (infames para alguns) piadinhas que povoam os filmes da Marvel. Sério e com um plano a realizar, o Pantera tem uma postura de estadista que chama atenção no filme, além de suas capacidades de luta.
Já o Homem-Aranha… Desde que foi anunciado o acordo entre a Marvel e a Sony (detentora dos direitos do personagem para o cinema), a comunidade nerd já havia entrado em polvorosa. A aparição dele nos últimos três segundos do trailer mais recente, então, elevou ainda mais a expectativa a respeito do filme. Com cinco filmes em cerca de 15 anos, os irmãos Russo não precisaram se preocupar em recontar a origem do personagem e já colocaram o Aranha no meio da frigideira, como um adolescente tutelado por Tony Stark e que recebe de presente um traje tecnológico. O roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeeley aproveita para mostrar um herói ainda mais próximo de suas origens, tagarela e piadista como não se viu nos filmes de Sam Raimi e Mark Webb.
Ao final, quem for ao cinema poderá conferir o desafio imposto a Joe e Anthony Russo, que é colocar em cerca de 150 minutos tantas tramas a serem desenvolvidas. Afinal, “Capitão América: Guerra Civil” precisa resolver as questões deixadas abertas em “O Soldado Invernal”; os efeitos das destruições vistas nos dois filmes dos Vingadores; introduzir os dois novos heróis já citados e dois novos vilões (além de Ossos Cruzados, o Barão Zemo interpretado por Daniel Brühl dá as caras); o relacionamento entre Visão e Feiticeira Escarlate (que foram casados nas HQs); dar espaço satisfatório para nada menos que 12 heróis; e ainda preparar o público para os próximos filmes da franquia.
Com tantas questões práticas, filosóficas, morais, éticas, sentimentais, políticas e psicológicas a serem resolvidas, com tantos personagens em cena, “Capitão América: Guerra Civil” é o mais ambicioso filme já produzido pela Marvel, mas que tem mostrado condições de sobra para cumprir tudo que vem prometendo. Pode até ser, quem sabe, que Zack Snyder (diretor de “Batman vs. Superman”) aprenda a não cometer os mesmo erros vistos no encontro do Homem de Aço com o Cavaleiro das Trevas.