O novo, o antigo, o diferente e o reverente
A música clássica continua viva, inventa, se reinventa e sempre está à procura de novos públicos, novos caminhos. Prova disso são os álbuns de Luiz Castelões e da Orquestra Sinfônica Mário Vieira, em que novos rumos de composição, releituras e reinvenções marcam presença nas trilhas de bits dos CDs.
Compositor e professor de composição musical do Instituto de Artes e Design/UFJF (IAD), Luiz Castelões apresenta em seu álbum de estreia, “Rotações”, algumas das gravações realizadas nos últimos dez anos, reunindo estudos, composições inéditas e a recriação de canções do sambista carioca Noel Rosa – como é o caso de “3 apitos”, que se tornou “7 fábricas”. Com gravações que rodaram meio mundo (Brasil, Estados Unidos e Itália), o trabalho teve participação de nomes conhecidos do meio, como o Quartetto Maurice e as pianistas Bianca Oglice e Grazi Ellis. Dentro do clima contemporâneo, que inclui o uso do quarteto de cordas para reinventar sons diversos, a vinheta que dá nome ao título é uma colaboração com os também professores João Queiroz e Daniella Aguiar para o projeto “Via”, de 2013, que uniu dança, design, arquitetura, semiótica e novas tecnologias.
“Havia material acumulado para mais de um CD, com gravações desde 2003”, conta Luiz Castelões. “Aos poucos, fui seguindo três critérios de seleção para chegar a um CD mais compacto: gravações apenas dos últimos dez anos, melhor qualidade de composição e interpretação e coesão estética entre as obras, o que me fez tirar da seleção original, por exemplo, quase todas as obras eletrônicas, a fim de dar ao CD uma sonoridade mais ‘natural’, mais ‘humana'”.
Da seleção para o álbum, a que mais foge desse conceito mais “humano” é justamente a faixa-título. “Ela é uma conversão imagem-som feita a partir de uma fotografia caseira, em que estamos eu e minha filha Bia tocando flauta e tambor, girando esta foto (daí o título ‘Rotações’). Esta tecnologia é descrita em alguns artigos e em um capítulo de livro publicados no Brasil, México e França, entre 2011 e 2016. ‘Rotações’ também remete ao fato de que o swing na música pode ser descrito metaforicamente como sendo resultado de círculos (ou ciclos) de tamanhos diferentes girando ao mesmo tempo e produzindo polirritmia. É uma metáfora que resume bem as demais faixas também. Daí ter virado o título do CD como um todo.”
Além das batidas eletrônicas, o álbum promove a fusão da música clássica com ritmos como o rock e o funk, além de emular sons típicos do cotidiano como os sons de automóveis, notados tanto em “5 sons para Noel Rosa” quanto em “Pop suíte” e “7 fábricas”. “Creio que um projeto musical interessante para alguém que se coloca como compositor, criador de música atual, é fazer a música do seu tempo, que só poderia ter sido feita naquele momento ou, no mínimo, dialogar com a música e os sons do seu tempo. Considero necessário utilizar sons atuais (de carros, aviões, novas tecnologias, mas também do que restou do meio-ambiente) e gêneros musicais atuais, considerando, principalmente, que a música pop em seus vários estilos é a língua franca musical atual. Fazer música é como tirar fotografias sonoras de seu tempo; o compositor, portanto, faz jornalismo sonoro-musical”, argumenta. “Há um excesso tão monstruoso de sons e músicas em nossa época que só vale a pena produzir música nova se esta trouxer um testemunho criativo e único sobre nosso tempo. Senão, é repetir o passado, imitar automaticamente o que já foi, entrar em loop. E a separação entre música popular e erudita é mais relevante para a indústria cultural do que para os criadores.”
Entre o clássico e o pop
A Orquestra Sinfônica Mário Vieira aposta em outro segmento para seu CD: o do “classical crossover”, em que composições eruditas e populares dividem espaço. Lançado por meio da Lei Murilo Mendes, o trabalho reúne de “Nessun Dorma” (Turandot) a “O pastor” (Madredeus), “Garota de Ipanema” (Vinicius de Morais e Tom Jobim) e “The long and winding road” (Beatles). “Essa proposta musical vem sendo executada desde a época dos três Tenores junto com o maestro Zubin Mehta. Vem alcançando sucesso e sendo explorada por outros artistas como André Rieu, Il Divo, Il Volo e André Bocelli, entre outros”, explica o criador da orquestra, maestro Guto Cimino.
“A escolha do repertório foi de acordo com o trabalho que eu faço com a orquestra, que é explorar melodias de compositores eruditos que se tornaram clássicos ao longo dos anos, árias de óperas famosas e músicas populares orquestradas, buscando uma relação de empatia com o público. Neste CD registramos um resumo do repertório que a orquestra tende a explorar com o seu projeto, com a participação do tenor Rinaldo Vieira em três canções, entre elas ‘Nessun Dorma’, que se tornou um marco entre os Grandes Tenores, além de outras músicas que foram executadas com cantores de Juiz de Fora. A proposta é trazer uma roupagem nova sem perder o lado erudito de executar as peças, tanto nas canções populares quanto nas eruditas.”
O álbum tem, ainda, outras participações especiais. “Convidei o Chico dos Beatles Forever para gravar ‘The long and the winding road’, o Dudu Lima para ‘Garota de Ipanema’, cujo arranjo foi cedido por Paulo Jobim (filho de Tom Jobim). Temos também a harpista Marcelle Chagas, do Trio Amadeus, em ‘Valsa das flores’ (Tchaikovsky) e de outros cantores e instrumentistas da nossa cidade.”
Criada em 2006 por Cimino, com apoio do violinista Rafael Marcenes, a Orquestra Sinfônica Mário Vieira homenageia em seu nome o primeiro professor de violino do Conservatório Estadual de Música Haidée França Americano. Segundo o maestro, a iniciativa surgiu com o objetivo de criar dentro do Conservatório uma orquestra para que jovens e alunos tivessem a oportunidade de participarem de um projeto cultural e, assim, se lançarem profissionalmente. “Além disso, a promoção da orquestra através das apresentações poderá instigar outros jovens a desejarem engrandecer o projeto, que está sempre aberto a novos talentos. E tem se demonstrado como um potencial celeiro de oportunidades para os músicos que se interessem pelo estilo musical explorado”, destaca.
Para Guto Cimino, um dos fatores que tornam o projeto gratificante é perceber que há esperança para a cultura local em relação ao tipo de trabalho que vem sendo feito. “É saber que muitos jovens saíram daqui para alcançar novos horizontes na área musical graças à orquestra, que é um campo de trabalho como outro qualquer, digno e sério. Cada vez mais me orgulho e me animo a continuar lutando para ver estes jovens se lançarem profissionalmente. Vê-los participar deste CD torna o projeto da orquestra mais real ainda, e amplia o currículo de todos esses jovens e artistas que participaram. É importante ressaltar a oportunidade que a Lei Murilo Mendes dá ao artista em alçar novos caminhos.”