Outras ideias com Daniela Teodoro
Boa tarde! Queria conversar com o senhor que grava aqui, disse, com calma, à mulher a minha frente. “Esse é meu pai, mas ele se foi em 1999”, respondeu. Ficou gravada em mim a imagem daquele senhor de cabelos brancos, que ficava no pequeno estabelecimento no térreo do Edifício Sulacap, na Rua Halfeld 704. Ficou gravado em mim a imagem de João Cândido de Oliveira, o gravador e pai de Daniela Teodoro, a dona mão que hoje escreve em alianças e outros materiais. Para ela, o que ficou gravado?, penso, dirigindo-me ao local, cuja entrada fica no porão do prédio, com uma pequena entrada pela lateral direita. Morena de longos cabelos e uma simpatia contagiante, ela me recebe no espaço com pouco mais de um metro de largura e comprimento necessário para a presença de uma pequena cozinha, uma mesa com computador e impressora e a bancada frontal. Dia a dia, Daniela, de 35 anos, trabalha marcando o que para os outros é de extrema importância. “Gravo muito placas de identificação de cachorros, canetas, alianças, peças de igreja, panelas, alicates, bandejas. São várias finalidades: o romance, o medo de perder ou confundir e o desejo de homenagear”, conta ela, que diz não ter parado no tempo, e, em outro lugar, tem uma máquina de gravação para a feitura de placas em cor. Também vende o que pode ser gravado, além de trocar bateria de relógio e fazer placas de cemitério. “Em Juiz de Fora, há três gravadores, meu pai era o mais antigo. É uma profissão em extinção porque vai passando de pai para filho, e eu não consegui, até hoje, ensinar alguém a gravar. Nunca tirei férias de um mês, tento tirar uma semana no carnaval e outra entre o Natal e o Réveillon”, diz ela, que não tem filhos, mas uma ONG em prol dos animais. “Meus filhos são os cachorros do mundo.” Nascido em Pirassununga, em São Paulo, João mudou-se para Campos (RJ), onde começou a trabalhar como gravador em metal. Em 1967, chegou a Juiz de Fora. “Ele começou gravando como camelô, em frente a um restaurante chamado Pigalle, onde hoje é a Palimontes. Em 1970, conversou com o síndico e mudou-se para cá. Aqui era um passagem, como do outro lado”, recorda-se ela, que não viu como funcionava o local antes. Em 1991, a esposa e as filhas de João morreram em um acidente de carro. Mas ele não ficou sozinho. “Eu já existia, fora desse casamento, e, em 1992, ele me chamou para aprender o ofício. Dois anos depois, fui morar com ele. Sempre conheci meu pai, convivia com ele, um amor de pai mesmo”, emociona-se Daniela. “Aproveitei muito pouco sua companhia. Quando nasci, ele tinha 55 anos.”
A filha do gravador
O primeiro passo de Daniela no trabalho foi com uma caneta. “Com 12 anos, meu pai me colocou para aprender caligrafia. Comecei no caderno, passei para um latão e depois para as peças. Ele tinha o dom, eu desenvolvi. Ele sempre foi muito bravo, sempre achava que tinha como melhorar. E eu entendia, até porque, vivíamos um choque de gerações. Era uma adolescente convivendo 24 horas com um idoso”, pontua ela que, aos 19 anos, perdeu o pai. Dali por diante, era preciso seguir, com a saudade e com o ofício. “Escrevo melhor com a broca, que é quadrada, do que com uma caneta. Não subscrito convite”, brinca, dizendo não saber desenhar, só corações. E se errar? “Se errar o ouro, o ourives tem como arrumar. Se não for, não tem jeito. É raro, mas já aconteceu.”
Caderno de caligrafia
O primeiro passo de Daniela no trabalho foi com uma caneta. “Com 12 anos, meu pai me colocou para aprender caligrafia. Comecei no caderno, passei para um latão e depois para as peças. Ele tinha o dom, eu desenvolvi. Ele sempre foi muito bravo, sempre achava que tinha como melhorar. E eu entendia, até porque, vivíamos um choque de gerações. Era uma adolescente convivendo 24 horas com um idoso”, pontua ela que, aos 19 anos, perdeu o pai. Dali por diante, era preciso seguir, com a saudade e com o ofício. “Escrevo melhor com a broca, que é quadrada, do que com uma caneta. Não subscrito convite”, brinca, dizendo não saber desenhar, só corações. E se errar? “Se errar o ouro, o ourives tem como arrumar. Se não for, não tem jeito. É raro, mas já aconteceu.”
Da janela, a Halfeld
Durante o trabalho, Daniela ouve diferentes conversas, de casais de todas as idades. “Amor, você não quer colocar a data porque esqueceu”, ouço, durante a entrevista, de um jovem com sua namorada. “Amor, é impossível eu não saber”, responde a garota, sorrindo e com os olhos brilhando. A gravadora que nunca escreveu o próprio nome em uma aliança e é casada há alguns anos viu o Calçadão e a sociedade, pouco a pouco, se transformarem. “Hoje em dia tem muito casal homoafetivo que vem para gravar alianças. A maioria pedia para gravar as iniciais, hoje é nome mesmo. As pessoas estão se assumindo”, reflete. “Dessa janelinha, vejo muita coisa. Passam pessoas que acham que sou porteira do prédio”, afirma, aos risos. Nesse exato momento, passa um homem, se vira para ela e pergunta: “Tem serviço de chaveiro aí?!”. Não. Daniela abre outras portas, mas escrevendo, deixando gravado.