Outras ideias, com José Abjald Souza
O barulho é constante. Buzinas, freadas, motos que passam correndo. Num vaivém interminável, as pessoas caminham. Em meio à poeira da rua e às flores que vende, José Abjald Souza separa ramos de sempre-viva com a flor na ponta daqueles que são apenas a pequena e dourada haste. Baixo, com os cabelos a brotar fios brancos sob os tingidos de castanho, e vestindo camisa de malha de cor clara e calça jeans, ele arreda uma cadeira já velha para que eu me sente. Estou de frente para ele, enquanto organiza sua porção de flores secas, e de costas para a avenida. Ouço tudo em minha volta, mas não vejo o movimento. Observo, apenas, o canto que o senhor de exatos 60 anos cultiva há 29 anos, abaixo da marquise do antigo Cine Excelsior. O jardim que José “plantou” na calçada viu a cidade transformar-se e transformou a vida do rapaz que chegou a Juiz de Fora aos 15 anos.
“Nasci em Ubá, fiquei três meses lá e fui para Senador Firmino”, conta, lembrando-se dos três irmãos que teve (hoje são apenas dois) e dos pais, Honório e Ivone (ela, descendente de árabes, daí o Abjald). O pai era açougueiro, acabou “quebrando” e resolveu se mudar. A princípio, pensou em partir para São Paulo, mas preferiu uma cidade mais pacata e com mais recursos, boa para criar os filhos. Para recomeçar a vida, vendeu, por um ano, frutas no Centro. Foi então que José ingressou no curso técnico em edificações e estradas, do antigo Colégio Técnico Universitário, o CTU.
Frutas viraram rosas
“Naquela época, eu vendia frutas, mas só na hora do almoço, porque eu tinha que estudar o dia inteiro”, conta. Como fazia? “Tinha um lugar em que eu guardava tudo. Ficava mais ou menos uma hora, já tinha uma freguesia, era o que precisava para me manter, já que meu pai não tinha condição de pagar nem as minhas passagens”, recorda. “Quando terminei o curso, o próprio colégio arrumou estágio para mim, na Ferrovia do Aço. Fiquei oito meses, peguei meu diploma e voltei, continuei por mais três anos.” As obras terminaram, ele ficou um ano parado, “torrando” o dinheiro de seu acerto e depois foi vender fruta, mas “fruta não dava mais, muitos mercados estavam abrindo”. O caminho eram as flores. Foram elas que o fizeram participar, por dez anos, da famosa Festa das Rosas de Barbacena. Elas também enfeitaram eventos e lhe renderam altas cifras “na passagem de ano em Copacabana”, no início da trajetória. “Vivo por elas”, diz, apontando para rosas, sempre-vivas, ramos de trigo e flores de plástico.
Flores artificiais
Solteiro e sem filhos, José vive com uma irmã e um sobrinho, que está concluindo a graduação em economia e lhe ajuda das 9h às 14h, tempo em que o florista se dedica à compra das flores e ao cargo de síndico do Edifício Garagem Hércules, a poucos metros dali, próximo da Rua Mister Moore. A vaga que tem hoje (no passado eram três), é apenas uma das conquistas resultantes do trabalho que desempenha das 7h às 18h. “Rico eu não quero ficar, o que tenho já dá para ter uma vida confortável”, destaca ele, que mora numa casa própria no Bairro Bonfim e troca de carro de cinco em cinco anos. Quase todo mês, costuma viajar para uma das três casas que tem na praia. É que quando José saiu da Ferrovia do Aço, decidiu investir no futuro, comprando lotes em Piúma.
Quando as rosas brotaram na porta do Cine Excelsior, a clientela do lugar nunca aumentou suas vendas, até porque, pouco se encontravam, já que as seções começavam quando ele ia embora. Naquele tempo, ele trabalhava de domingo a domingo. “Já vendi, no início, mil dúzias de rosas em um mês. As floriculturas ficavam bravas comigo. Hoje, não, elas até compram de mim.” Atualmente, com preços mais altos, ele chega a vender 80 dúzias de rosas por semana. “A que sai mais é a natural. A de plástico é tipo um reforço”, conta. E em casa, qual tem mais audiência? “Minha irmã costuma enfeitar com flor artificial, porque dá menos trabalho e paramos pouco em casa.”
Lilás, um novo tom
Enquanto conversamos, um homem passa e comenta sobre o fechamento do cinema, uma senhora cumprimenta o florista pelo nome, outra pede uma rosa vermelha (em falta), e uma senhora compra um vaso de flores de plástico. O tempo o fez assim, conhecido e também cúmplice do que já não é mais. “Isso aqui é tudo moderno agora. Ali tinha um casarão, do outro lado, tinha outro. Tudo foi transformado. Até a avenida, que antigamente não tinha essas faixas todas”, recorda. Como a paisagem que os circundam, os produtos de José também já não são os mesmos. As sempre-vivas possuem algumas espécies ameaçadas de extinção, os ramos de trigo já não são tão comuns dentro das casas, e as rosas… Ah! As rosas ganharam mais e mais tons. “Cada cor tem um significado. Amarela é ouro, branca é paz, vermelho é amor, e rosa é amizade.” E essa lilás, José? “Isso daí não sei não. Estão começando agora a fazer essas cores. Isso não existia antes.”