Pedro Nava em nanquim, aquarela e digital
Partir de uma expressão artística para criar outra nova, em uma plataforma diferente, foi o desafio que 19 artistas toparam para a exposição “Transnaviana”, que fica em cartaz até o próximo dia 7 no Centro Cultural Pró-Música e recria parte da obra do escritor e poeta juiz-forano Pedro Nava. Ela dá continuidade à “Transmuriliana”, que ocupou, ano passado, o Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) numa reinterpretação da obra do artista que dá nome à instituição. Quem for ao Pró-Música poderá conferir obras que recriam o trabalho de Nava por meio de histórias em quadrinhos (a sua maioria, com ou sem diálogos), ilustrações, pintura digital e técnicas mistas, com a utilização de materiais como nanquim, aquarela, guache e materiais como a renda. Esses estilos diversos apresentam releituras para obras como “O defunto”, entre outras.
O curador das duas exposições, Thiago Berzoini, explica que teve a ideia para a “Transnaviana” ainda durante a mostra do ano passado. “Pensei que o projeto teria potencial para mais duas edições, fechando uma trilogia. Tinha em mente os nomes do Nava e do Belmiro Braga. A escolha se deve ao prestígio e qualidade dos textos. Murilo Mendes, Pedro Nava e Belmiro Braga são três grandes nomes da literatura de nossa cidade. É sempre um desafio trazer um olhar inovador de artistas diversos, transpondo para outra linguagem esses autores. O Nava parecia um grande desafio, principalmente pelas características de um texto memorialista .”
Já a seleção dos textos que seriam encaminhados para cada artista levou meses, incluindo os livros “O Círio perfeito”, “Beira-Mar” e “Baú de ossos”, além de poemas publicados em revistas, casos de “Educação sentimental”, “O defunto” e “Noite de São João”, em quadrinhos de autoria do próprio Thiago. “Selecionei trechos que me trouxessem imagens mais fortes à mente durante a leitura. Eu pensava em como esses determinados trechos poderiam ficar ainda mais ricos através do traço, estilo e técnicas de alguns dos artistas que previamente havia pensado. À medida que recebia os aceites, enviava os trechos selecionados.
HQs, ilustrações e outras ideias
Dos 19 artistas convidados, dez já haviam participado da “Transmuriliana”. Entre os outros nove, há aqueles que participam pela primeira vez de uma exposição. “São artistas que estão começando, mas que possuem grande potencial e que fiquei muito satisfeito, pois contribuíram para manter a qualidade do projeto. Eu sempre penso que a iniciativa tem que abrir as portas para os talentos que estão esperando alguma oportunidade para mostrar seu trabalho”, diz.
Desde o início, Thiago Berzoini colocou como desafio que as obras fossem recriadas no formato de histórias em quadrinhos ou ilustrações. “O motivo da escolha desse formato está ligado à minha pesquisa acadêmica. Trabalho com narrativa transmídia e também com a linguagem da arte sequencial. No caso do Nava, os textos são extensos, e o espectador, ao ver uma das obras em quadrinhos, está em contato com um recorte. Espero que isso seja intrigante o suficiente para que o nosso público da exposição busque o texto que serviu de fonte das adaptações.”
Houve, porém, quem soube “burlar” as regras do jogo. Gabriela Lemos, aluna do IAD, valeu-se de técnicas mistas para recriar – no seu caso – “Educação sentimental”. “O maior desafio foi ter recebido um poema do período modernista do Nava, ao invés do memorialista. Era um poema de quatro versos, então busquei elementos na obra para encontrar os materiais que entraram no meu trabalho. Estes buscavam referenciais nas palavras do poema, como a renda e o vermelho que remetem à ideia da Espanha, citada pelo Pedro Nava. O poema era forte, então busquei materiais igualmente fortes.”
“A variedade de técnicas e interpretações, ao transporem o texto para a plataforma sugerida, me impressionou”, afirma Berzoini. “Apesar da diversidade de estilos, é possível perceber a unidade da mostra, que se deve não só pela matriz (obra de Nava) ser a mesma, mas também – e arrisco dizer em grande parte – à afinação e dedicação dos artistas que aceitaram o convite.”
Mais estreantes
Outra a aceitar o convite foi a ilustradora Lu Freesz, que participa da mostra com a obra “O Círio perfeito – Êxtase”. Ela, que diz nunca ter lido qualquer obra do Pedro Nava antes do convite, confessa ter gostado de ter a oportunidade e o “dever” de lê-lo. “O maior desafio em transpor a obra para os quadrinhos foi a questão do texto memorialístico, porque ele se referia a personalidades da época, o Murilo (Mendes), o Ismael Nery… e me parecia um pouco confuso colocar apenas uma parte em quadrinhos, era necessário saber todo o contexto da época e da obra literária. E eu não li apenas o trecho, li o livro (risos).”
Luiza Fajardo ficou responsável pelo dilema do sujeito que trabalha e estuda – e é criticado nos dois ambientes por um suposto desleixo – em “Nem lá, nem cá”. “Não houve um elemento em particular que despertou minha inspiração, parti mais da vontade de testar um estilo diferente, que era a ilustração digital inspirada na técnica tradicional de pastel seco.”
Também repetindo a dose, Danilo Lopes se inspira na perturbadora história “O jovem médico”. “O texto em si ainda não conhecia, mas como já tinha participado da ‘Transmuriliana’ estava familiarizado com a linguagem. Tentei pegar o pensamento dele, o que estava tentando recontar.”
Para a paulista Amanda Pomar, que recebeu um trecho de “Baú de ossos”, o convite foi uma “enorme oportunidade”, por ser a primeira vez que expões algum trabalho. “O trecho escolhido para mim combina com o que gosto de trabalhar, que é a descrição de personagens, e ainda por cima uma feminina, uma cafetina, que é irreverente, algo que gosto no meu trabalho.”
Thiago Berzoini afirma que já começou a pensar no fechamento de sua trilogia de releituras. “Pretendo fechar esse projeto com Belmiro Braga, tenho uma história com ele que vem das artes cênicas. Ainda está embrionário, mas pretendo aumentar o número de artistas, e quem sabe aumentar a mídia não só para HQs e ilustrações, mas pelo menos duas pequenas animações ou gifs. Mas ainda temos que fechar quais obras do Belmiro, artistas e possibilidades de datas entre todos.”
TRANSNAVIANA
De segunda a sexta-feira, das 9h às 18h. Até 7 de outubro
Centro Cultural Pró-Música
(Avenida Barão do Rio Branco 2.329)