Receita para comprar antibiótico vira polêmica
O Ministério Público Federal, em Uberlândia, ingressou ação civil pública para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) seja proibida de exigir receita médica para a compra de antibióticos. A alegação é de que a exigência de receituário – como determina as resoluções RDC 44/2010 e RDC 20/2011 – impede a população sem acesso a médicos de tratar a tempo suas doenças. O procurador da República Cléber Eustáquio Neves, autor da ação, aguarda agora a decisão da Justiça Federal. Se o parecer for favorável ao seu pedido, a medida passa a valer nacionalmente. A liberação daria acesso mais rápido a medicamentos que já estão há pelo menos cinco anos no mercado e não representam riscos. A questão divide opiniões. A Anvisa defende que a restrição seja mantida como forma de evitar o desenvolvimento de bactérias resistentes. Segundo o órgão antes da regulamentação, quando não era exigida receita, havia vários diagnósticos de infecção por superbactérias no país.
De acordo com o procurador, “faltam médicos, faltam medicamentos e equipamentos básicos para oferecer tratamento digno de qualidade que permita a promoção da pessoa humana. Essa é a razão pela qual, nos últimos anos, viu-se aumentar o número de demandas judiciais sobre saúde em todo o país. Até quem tem plano de saúde hoje demora para conseguir uma consulta, imagina uma pessoa mais carente? Muitas pessoas estão deixando de ser tratadas a tempo e modo necessário simplesmente pela falta de médicos na rede pública de saúde.” Eustáquio explica que a demora no início do tratamento à base de antibióticos acaba provocando infecções mais severas, transformando um tratamento da atenção básica em um de média complexidade, o que acaba onerando também o Sistema Único de Saúde (SUS).
O mesmo pensamento tem o advogado especializado em direito à saúde de São Paulo, Julius Conforti, ouvido pela Tribuna. “Muitas coisas precisam ser revistas. Não discuto a questão da liberação em si, mas se a Anvisa faz essa determinação, é preciso que o Brasil tenha estrutura para atender os pacientes, que possa garantir o acesso dos usuários aos médicos que forneçam as receitas.”
Mais antigos
A medida afetaria medicamentos que estão sendo comercializados há pelo menos cinco anos. “Há alguns antibióticos, como penicilina, amoxicilina, e outros que estão há mais tempo no mercado e são considerados seguros. A Anvisa se diz preocupada com as superbactérias, mas há estudos que demonstram que as bactérias multirresistentes não decorrem de antimicrobianos de uso comum no mercado há mais tempo. Na verdade, são restritas a ambientes hospitalares e ao seu mau uso nesses ambientes”, explica Eustáquio, que completa: “Se houvesse preocupação séria por parte da Anvisa e da União nesse sentido, já teriam sido adotadas medidas para coibir o uso indiscriminado de antibióticos no setor agropecuário. Fizemos um estudo dos leites e encontramos antibióticos em quase todos os tipos avaliados. Ou seja, todo dia estamos bebendo antibiótico. A carne tem e outros alimentos também.”
Indagado sobre o risco da automedicação, o procurador é enfático. “A automedicação no Brasil não ocorre por mau hábito do cidadão, mas sim pelo estrangulamento da rede pública de saúde. Por não conseguir o médico, o paciente medica-se por conta própria.”
Já o presidente em exercício do Conselho Regional de Medicina (CRM-MG), Fábio Guerra, critica a possibilidade de liberação da venda de antibiótico sem prescrição, pois acredita que cada medicamento tem indicação específica. “O CRM entende que a prescrição é parte do atendimento médico. Na consulta, é feita a anamnese e o exame físico do paciente e só então dado o diagnóstico e feita a prescrição, que varia de acordo com idade, interação medicamentosa. Ou seja, cada caso é um caso. Por isso há risco na liberação da compra do remédio sem a necessidade de receita.”
Maior fiscalização
A ação civil pública também pede à Justiça Federal que obrigue a União a tomar providências para controle, produção, distribuição, comercialização, uso e fiscalização de antibióticos, no setor agropecuário e comércio varejista, em produtos de origem animal destinados ao consumo no mercado interno.