Resposta ao tempo atual
As circunstâncias políticas de 2015 fizeram surgir “O Circo dos quasevelhos”. A obra foi gerada “como resultado de uma inquietação artística com a onda de pensamento conservador que se instaurava” e, agora, estreia em Juiz de Fora, em temporada nos dias 5, 6, 7 e 8 de maio, às 20h, no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas. A direção é dos jovens atores Felipe Moratori, também autor do texto, e Bruno Quiossa, que apresentam à cidade, por meio dessa produção montada de maneira totalmente independente, o primeiro longo trabalho da Companhia Sala de Giz, recém-nascida e instalada na Av. Olegário Maciel 769. O espetáculo traz uma história futurista que debate religião, sexualidade e sociedade.
“As discussões sobre o conceito de família estavam muito latentes. Já era uma questão pública. Inclusive, com mobilização de consultas populares. Era algo fácil de encontrar nas redes sociais. Além disso, via-se a força das bancadas evangélicas e, consequentemente, polarização política que essa força desenhava desde as eleições presidenciais. De lá para cá, todos acompanhamos o crescimento dessas tensões”, explica Felipe, ressaltando, porém, que o trabalho não traz referências diretas a esse panorama.
No tempo construído pelo dramaturgo, pessoas do mesmo sexo conseguem ter filhos. As crianças nascidas assim se tornam imunes a uma doença que causa o envelhecimento dos corações, o que lhes rende intensa perseguição. Como recorte espacial, Felipe cria um pequeno circo decadente. “A peça acaba sendo uma resposta ao ‘espírito do tempo’ atual”, reforça o autor, cuja estreia na dramaturgia se deu com “Os aplanadores de assoalho”. Posteriormente, vieram “Estranho farol dos cacos” e “Não vão além: como enraizar o amor que voa”. “Tenho estudado processos de escrita teatral de modo teórico para embasar a oficina de dramaturgia que tenho ministrado no Sesc, e isso me abriu muito o olhar sobre meu trajeto com a escrita”, conta ele, dono de um estilo que se mostra poético.
“‘Quasevelhos’ é um texto que revisita a estrutura fragmentada do ‘Farol dos cacos’, com dois planos de ação dramática, que tanto me agradam, mas talvez seja o meu trabalho mais ‘aristotélico’. O conflito é muito claro. Para a peça funcionar, o embate entre os dois personagens antagônicos precisa ser compreendido de imediato. A poesia e a porosidade do texto dessa vez vem nas entrelinhas. É muito satisfatório conseguir ver a sombra do ‘Farol dos cacos’ no ‘Circo dos quasevelhos’, mas esse texto vai exigir do espectador dispositivos diferentes de leitura.”
Arcaico e futurista
Dividindo a direção, Bruno Quiossa e Felipe, também integrantes do elenco composto por Michele Simões e Renan Kirchmaier, buscaram para a cena um diálogo entre elementos arcaicos, artesanais, que remetem ao universo mambembe, e a evolução tecnológica. Ao projeto, ainda se juntou o universo steampunk, proposto por Anderson Magalhães. “Queríamos trazer o artesanal do circo em contraposição ao tecnológico e industrial do futuro. Os figurinos desenhados pelo Anderson ilustram bem essa ideia. Com o cenário, tentamos criar essa atmosfera circense, através de seus elementos e de sua disposição em arena. A trilha sonora composta por Luis Gustavo Mandarano traz a junção de música eletrônica com instrumentos, como o piano, por exemplo”, adianta o diretor.
Segundo Bruno, nos vários debates para a criação de “O circo dos quasevelhos”, ocorriam as ideias que “alimentariam” Felipe, seguidor de uma perspectiva de “escrita em processo a partir da dramaturgia do corpo”. “Para a preparação do elenco, convidamos o Vinícius Cristóvão, que fez um trabalho com arquétipos junguianos. Isso fez acender a relação sensorial com o texto. Os primeiros exercícios de composição que propus foram a partir de impulsos físicos. Dessa vez, o texto era um elemento já dado no processo, embora tenha sido modificado de acordo com as nossas demandas”, comenta o autor.
O CIRCO DOS QUASEVELHOS
Dias 5, 6, 7 e 8 de maio, às 20h
CCBM
(Av. Getúlio Vargas 200 – Centro)
3690-7052
Entrevista: Bruno Quiossa e Felipe Moratori , diretores
Tribuna – Quais são as propostas de vocês dois para a “Sala de giz”?
Bruno Quiossa – Ela resulta dos pensamentos e desejos convergentes meus e do Bruno sobre formação e movimentação da cena teatral em Juiz de Fora. Temos a mesma idade, uma formação paralela e alguns pontos comuns nas trajetórias. Abrimos esse espaço com o compromisso de investir nessa escolha pelo teatro. Lá, temos hoje duas turmas particulares de iniciação, um grupo de pesquisa apoiado pela Lei Murilo Mendes 2015 e, sobretudo, é a sede da nossa companhia, onde desenvolveremos nossos trabalhos.
– Como foi esse encontro? Vocês têm as mesmas ideologias também?
Felipe Moratori – Nossas escolas têm diferenças e semelhanças. O desejo pela pesquisa e os modos de operar da contemporaneidade são pontos comuns, assim como os estudos sobre pedagogia teatral. Ambos damos aulas para todas as idades há um tempo. Eu investi no teatro depois que saí da UFJF. Tive o privilégio de esbarrar com mestres que estão pesquisando temas sutis da relação corpo e cena, como Renato Ferracini e a Ana Cristina Colla, do Lume, o ítalo-argentino Norberto Presta, e, no ano passado, fui ator-residente do Eugenio Barba e da Julia Varley, do Odin Teatret da Dinamarca, dois ícones vivos do teatro hoje. Isso me dá dimensões muito amplas de criação e composição. Já o Bruno, diferente de mim, chegou ao teatro cedo, traz nele a experiência prática de fazer o abstrato se concretizar. Foi coordenador do Centro Cultural Dnar Rocha, hoje é mestrando em artes cênicas da UFOP e tem uma visão muito nítida de direção da produção associada a uma sensibilidade artística muito grande. Essa parceria é um somatório positivo das nossas escolas.
Como fazer com que a Sala de Giz se consolide na cena juiz-forana e realize um trabalho forte?
Felipe Moratori – Nosso pensamento são ações de continuidade. A turma de iniciação de hoje vai demandar módulos avançados posteriormente. Os trabalhos práticos pedem estruturas viáveis de deslocamento e custos modestos de manutenção. Fora isso, é preciso muito foco para não dissipar a energia nos entraves que surgirem. Mas como vamos seguir, só o tempo dirá.