Samba de pai para filha
Se para algumas pessoas santo de casa não faz milagre, na família de Zezé do Pandeiro o ditado popular não tem validade alguma, pelo menos, depois desse carnaval. Desde o princípio, o compositor e sambista juiz-forano queria que sua paixão pelo samba atravessasse gerações. Seu sonho era que pelo menos um dos três filhos – Débora, Dani e Júnior -, que teve com sua esposa Neide Almada, desse continuidade a seu trabalho. Deles, apenas a primogênita mostrou o interesse de construir uma carreira dentro do samba. Na última terça-feira, assumiu o vocal do Bloco do Batom. Jornalista por formação e intérprete por vocação, aos 28 anos, Débora chama atenção não só pelos cabelos ruivos e seus 1,78m de altura. Quando pega no microfone para cantar, o vozeirão aparece, e a gente percebe que o legado de Zezé está salvo. No que depender dela, será perpetuado.
“Lá em casa a gente sempre brincava: não é possível que ninguém vai aflorar a genética do Zezé? Ela acabou ficando comigo. A Dani até brinca de cantar, mas toca pandeiro melhor do que eu. Ela aprendeu por osmose e de tanto ver o pai. O Júnior até canta, tem boa voz, mas não participa profissionalmente”, conta Débora, entre risos. Depois da decisão de Débora em levar a carreira com mais seriedade, Zezé sentiu-se aliviado. “Sabe aquele chavão: não deixe o samba morrer? Pois é, eu ficava nessa expectativa em saber para quem iria passar o bastão. Quando a Débora resolveu encarar com mais seriedade, foi uma surpresa muito grande pra mim. Vi nela um potencial muito grande e fiquei muito feliz. Acho que já posso tirar a medida do dedo dela para o anel. Espero que, no futuro, ela possa me representar. Vou ter muito orgulho em saber que a semente deu fruto”, destaca o pai, satisfeito.
O contato de Débora com o samba aconteceu na infância, mas ela suspeita que foi ainda na barriga da mãe. “Lembro que todos os anos minha mãe costurava fantasias diferentes para mim e para a minha irmã para irmos aos bailes onde o pai cantava”, conta. Durante o papo, Zezé lembrou de um caso curioso da filha. “Teve um ano que a Débora sumiu no salão. Rodamos por toda parte até que a encontramos bem no meio da pista jogando serpentinas e confetes para o ar”, comenta o pai. A mudança de posto, de foliã para intérprete de samba, aconteceu aos 15 anos de idade, a convite do pai, para acompanhá-lo na avenida durante o desfile das escolas de samba. “Antes o meu palco era o chuveiro. Na minha missa de aniversário, resolvi cantar e surpreendi muita gente, pois ninguém imaginava que eu cantava, inclusive meu pai”, revela.
Débora frequentou as avenidas até os 21 anos, depois se distanciou por seis anos. “Eu fugi muito do carnaval, mas sempre gostei. Nesse ano vi que não tinha mais jeito. Assumi que gosto mesmo disso e que pisar na avenida é emocionante. Quando voltei este ano, puxando o samba com meu pai na Mocidade Alegre – escola vice-campeã do carnaval 2017 -, tive o mesmo sentimento de quando pisei pela primeira vez, aos 15 anos.”
O apoio do pai para cantar sempre foi incondicional, mas, nesse ano, Débora encarou um novo desafio: cantar sozinha como intérprete do samba do Bloco do Batom. “No desfile do ano passado, fui para ver a minha mãe e brinquei com a diretoria de que queria sair no bloco como cantora. Não achei que as meninas tinham levado isso a sério. Quando foi esse ano, recebi o convite oficial, mas não acreditei. Só quando fui gravar o samba me dei conta de que iria desfilar sozinha. Fiquei muito nervosa, mas contei com o apoio de toda a minha família. Eles me tranquilizaram muito. Quando você puxa o samba, e as pessoas acompanham, é uma emoção incrível. Quando terminou, tive a sensação de dever cumprido”, ressalta. Além desses dois compromissos que marcaram sua retomada oficial, Débora foi ritmista do Come Quieto e intérprete, com o pai, no Bloco do Beco.
O samba (quase) desandou
Na adolescência, Débora Almada se descobriu uma amante do rock. Vestia-se de preto e ouvia apenas as bandas clássicas. “Foi nesta fase que eu achei que o caldo ia entornar e ninguém iria para o samba lá em casa”, conta Zezé. “Sou roqueira do carnaval. Eu amo o rock, mas sempre que ouvia o samba e a bateria, o sangue fervia”, conta Débora. Nesta fase, ela chegou a ser vocalista da banda de pop rock Incógnita. Foi ali que vi que gostava mesmo de música. Cheguei a fazer aulas de canto, violão e teclado, mas larguei tudo. Hoje vejo que preciso estudar e, por mais que eu cante e isso seja um dom que está no sangue, ter conhecimento se faz necessário.”
Ser filha do Zezé
Débora sempre carregou a referência forte por ser filha de Zezé do Pandeiro e, ao se assumir como cantora, sabe que a cobrança será grande. “As pessoas acham que eu me cobro de mais, mas tem que ser cobrado. Meu pai está no carnaval há anos e tem um nome reconhecido tanto por quem está no meio da folia quanto por quem está de fora. Quando falo que sou filha dele, as pessoas perguntam se eu canto. Antes dizia que não, mas agora falo que sim. Isso cria uma expectativa muito grande. Mas hoje a Débora, filha do Zezé, está aparecendo e conseguindo mostrar para as pessoas que sabe o que está fazendo”, comenta.
“Ver a Débora hoje cantando mostra que, assim como eu, tudo o que aconteceu, e acontece, foi espontâneo, sempre na brincadeira e alegria. Nunca fiz nada esperando um retorno. Fico muito satisfeito em receber esse reconhecimento e respeito. Espero que a Débora possa ocupar um espaço dentro da música, independentemente do segmento que ela escolher. Já tive um sonho realizado, que era ganhar o samba na Portela e desfilar na Sapucaí. Hoje tenho outro: ver Débora cantando na Quadra da Portela”, revela Zezé. “Ser filha do Zezé do Pandeiro é motivo de muito orgulho”, finaliza Débora, emocionada.