Sinal de alerta
A conta é fácil: 619 assentos vezes um valor mínimo de R$ 10, raramente praticado, resulta em R$ 6.190,00. Para uma produção de pequeno porte, trata-se de um montante crucial. Para uma grande produção, configura verba importante, haja visto os altos custos envolvidos. Sem camarotes, balcão nobre e galeria – os três setores localizados no segundo e terceiro pavimentos -, o Cine-Theatro Central oferece ao público menos de 70% de sua capacidade total. Parcialmente interditado desde o início deste mês, o espaço se une ao Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, cujo segundo pavimento também permanece restrito. No primeiro andar do edifício da Avenida Getúlio Vargas, a ocupação máxima é de 150 pessoas, e de 80 espectadores na Sala Flávia Márcio, única na cidade a permitir montagens maiores em formato arena. Não bastasse um ano cortante para a cultura local, que sofre reduções orçamentárias em diferentes setores artísticos, o impasse entre Corpo de Bombeiros e espaços culturais é mais um fator de risco para as agendas.
Desde que foi feita a última vistoria no Cine-Theatro Central, diferentes itens já foram retirados da lista para a obtenção do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Resta, porém, o que demanda uma reforma, alterações estruturais. E em xeque está o tombamento nacional do edifício em 1994. Enquanto o Corpo de Bombeiros demanda segurança, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) defende a preservação. “Tudo o que estava ao nosso alcance já está feito”, pontua a pró-reitora de Cultura da UFJF, Valéria Faria, apontando para reparos feitos em partes do piso que estavam desgastadas, sirenes que apresentavam mau funcionamento, luzes de saída que estavam fracas, dentre outras pequenas modificações.
A necessidade de instalação de corrimãos nas escadas de acesso ao segundo e terceiro pavimentos já recebeu a aprovação do Iphan e isso deve ser feito em caráter de urgência. O complicador está, justamente, no que diz respeito ao guarda-corpo do balcão nobre e dos camarotes, considerado baixo para as normas de segurança. Quaisquer alterações nesse sentido, significariam, porém, um grande ruído estético no prédio inaugurado em 1929, com pinturas de Angelo Bigi por todo o interior. Na última sexta-feira, contudo, numa reunião entre universidade, Iphan e Bombeiros, ficou acordada a produção de um Projeto de Segurança e Combate a Incêndio e Pânico, que deverá nortear as ações tomadas pelo teatro.
Impacto nas produções
Somando a burocracia do serviço público à necessidade de aprovação por parte do Iphan e, depois, do Corpo de Bombeiros, a proposta pode demorar a se tornar realidade, comprometendo a agenda já estipulada até março de 2017. “Quem utiliza mais a área que está interditada são os grandes shows, e não temos tantos desses espetáculos na agenda”, destaca Valéria. Segundo a agenda disponível no site do espaço cultural, trata-se de 11 apresentações de grande porte até março de 2017, dentre as 52 já confirmadas.
O impacto imediato, segundo o produtor Alex Monteiro, é mais “emocional” que financeiro. “É muito ruim produzir vendo o segundo e o terceiro andar vazios. Financeiramente, conseguimos nos adaptar, já que ter 1.200 lugares é ter uma perspectiva de público grande, 1.800 assentos não é mais a realidade do país”, discute ele, profissional da Sem Parar Produções, que trouxe o cover de Michael Jackson no último dia 15 e prepara a vinda do fenômeno do YouTube Resende Evil para o próximo dia 5.
Para as finanças do Cine-Theatro Central, no entanto, a interdição – ainda que somente sugerida pelos Bombeiros – é um baque. “Os produtores já haviam feito um contrato conosco, e, como eles não são responsáveis por isso, estamos negociando com cada um, e em cada show há uma perda significativa”, conta Valéria Faria, recordando-se de um rombo de mais de R$ 30 mil no show de Nando Reis, que, certamente, lotaria as 1.851 cadeiras. Programada para o dia 23 de novembro, a apresentação do Padre Fábio de Mello também preocupa a gestão do teatro, já que em suas outras vindas, o religioso esgotou os ingressos dias antes do espetáculo. “Contudo, precisamos considerar a questão de segurança, não apenas financeira”, pondera Valéria.
Em alerta desde a Kiss
Sucessores das interdições que afetaram as quadras de escolas de samba de Juiz de Fora, muitas delas ainda fechadas, acarretando o enfraquecimento dos desfiles carnavalescos da cidade, que este ano não aconteceram, os casos do Cine-Theatro Central e Centro Cultural Bernardo Mascarenhas refletem, de acordo com o Corpo de Bombeiros, uma rotina que nos últimos anos se viu bastante intensificada. Reflexo do terrível incêndio que acometeu a gaúcha Boate Kiss, em Santa Maria, em janeiro de 2013. “Fazemos sempre vistorias porque o sistema preventivo precisa ser mantido, e nossa fiscalização é para saber como fica o andamento. Até porque, se acontecer algo nos lugares, quando chegarmos é importante que saibamos como tudo funciona para, assim, ajudar na contenção”, explica a chefe da assessoria de comunicação do Corpo de Bombeiros, tenente Priscila Adonay, anunciando o prazo de março de 2017 para que o Central apresente o Projeto de Segurança e Combate a Incêndio e Pânico.
Questionada sobre o foco das vistorias se voltarem para as casas de shows, a porta-voz da corporação justifica pela grande concentração de pessoas. “A Companhia de Prevenção faz vistorias rotineiras principalmente em locais de lazer e entretenimento, que é onde existe reunião de público e onde tem a probabilidade maior de acidentes”, pontua. Sobre as casas que ainda aparentam não se condicionar às normas estabelecidas para a segurança, a tenente destaca a necessidade do exercício da denúncia pelo 181, que propicia o conhecimento de espaços ainda desconhecidos para os Bombeiros. “No alvará de funcionamento, diz que é preciso procurar o Corpo de Bombeiros, mas nem todo proprietário vai e dá entrada ao projeto. Quando há denúncias, fazemos fiscalizações e, se o risco for iminente, o local é interditado imediatamente.”
Menos palco, menos plateia
“Como muitos espetáculos não optam pelo palco italiano e utilizam apenas a arquibancada, que tem 80 lugares, essa redução não foi tão impactante. Agora, oferecemos aos produtores a alternativa de fazerem duas sessões”, afirma o diretor do CCBM Alexandre Gutierrez, pontuando que as exposições agendadas para a galeria de cima foram, quase na totalidade, transferidas para o espaço térreo. “A perda acabou sendo pouca”, defende.
De acordo com Gutierrez, o Projeto de Segurança e Combate a Incêndio e Pânico de todo o complexo Mascarenhas, que abarca do estacionamento ao mercado, passando pela biblioteca e Secretária de Educação, já foi entregue aos Bombeiros e aguarda aprovação para ser executado. “Todas as ações mitigadoras já foram atendidas para garantir o funcionamento do espaço. Dependemos, portanto, do projeto para conseguir o auto”, explica, apontando para uma proposta que fará todo o cálculo dos riscos e as necessidades para uma segurança ideal. Questionado sobre uma previsão de normalidade, o diretor aponta para a morosidade dos processos públicos. “Posso garantir que vários setores estão empenhados nessa regularização. Foi montada uma equipe de trabalho dentro da Prefeitura.”
Fechado desde o dia 3 de outubro, o Teatro Pró-Música/UFJF se une aos outros dois espaços no cenário de redução das plateias. Ainda que também não tenha uma previsão concreta para sua abertura – estimam-se seis meses pelo menos -, seu caso é outro. O espaço passa por uma grande reforma, que envolve a instalação de cortinas antichamas e troca de estofados, carpete, forro e rede elétrica. Já a Rua da Cultura, que dá acesso ao teatro, ganhará novo forro, pintura nas paredes e troca de pisos e janelas. “Ele já vai abrir seguindo as normas do alvará. Estamos trabalhando atentos”, ressalta a pró-reitora de Cultura da UFJF, Valéria Faria. Como aponta o produtor Alex Monteiro, mesmo consciente de que o que está em xeque é a segurança, a imagem do esvaziamento é que causa incômodo e angústia.
Tristes números da Cultura em JF
619 assentos interditados no Central
11 grandes espetáculos com público reduzido até março de 2017
52 eventos agendados no Central até março de 2017
180 dias estimados com Pró-Música fechado para reforma
500 lugares a menos, sem o Pró-Música, para espetáculos na cidade
230 lugares (videoteca e teatro) com uso limitado no CCBM
150 pessoas, no máximo, podem circular ao mesmo tempo no primeiro pavimento do CCBM
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