‘Sou uma operária do meu trabalho’
Para o Brasil, uma estrela. Para a estrela, apenas uma operária. Essa simplicidade no olhar que tem à própria profissão talvez explique porque, aos 87 de idade, Laura Cardoso ainda se dedique tanto ao trabalho. Este ano integrou o elenco da novela “Império” e da peça “Última sessão”, que trata do amor e da sexualidade na maturidade. No último fim de semana, a atriz consagrada em seus mais de 70 anos dedicados ao cinema, teatro e à televisão, esteve em Juiz de Fora para as gravações do curta “Barbante”, produção local rodada nos bairros Vitorino Braga, Poço Rico e Benfica.
O filme, apoiado pela Lei Murilo Mendes e produzido pela Impulso, recebeu do fomento municipal a modesta cifra de R$ 26 mil. O valor é baixo para uma produção audiovisual, mas indiferente para Laura, que se diz atraída por uma boa história a ser contada. “Eu gosto de trabalhar com gente nova, que eu ainda não conheço e que trabalha sem pensar muito no comercial, que faz por amor à arte, ao cinema. É uma arte difícil, cara. Uma porção de coisas me atrai (em um trabalho). A curiosidade de conhecer essas pessoas, de fazer a história. Gosto muito, muito do meu trabalho. Sou uma operária do meu ofício.”
Em “Barbante”, que deve chegar ao público em 2016, Laura interpreta dona Hilda, avó do personagem principal, Zeca, que passa a trama atrás de seu cão desaparecido, o Barbante. No bairro onde o protagonista mora com sua família, ainda se conserva uma certa inocência de um mundo que ainda não sucumbiu ao consumo desenfreado e ao progresso a qualquer custo.
“É encantador o bairro simples, tanto faz se é aqui em Juiz de Fora ou em São Paulo. Essas pessoas resgatam sempre o passado que foi, o modernismo custa a chegar a elas e, quando chega, atinge sempre nos mais novos. Nos mais antigos, é uma nostalgia, uma melancolia do passado. Isso nos bairros é muito lindo. A mulher ou o homem já de idade que vai para a rua. Vi isso no meu bairro em São Paulo. As pessoas sentavam na calçada à noite para conversar, para falar sobre o dia, seus sonhos, problemas, suas coisas. É muito bom o menos favorecido ainda sonhar, ter esperança, alegria. Eu gosto de ver bairros antigos com gente que é verdadeira. Eu sou povo. O povo me encanta”, diz a paulistana que nasceu Laurinda e passou a infância em Bela Vista, na região Central da capital paulista.
História da TV
Laura é uma personagem importante na história da TV brasileira. Integrou o elenco do primeiro videotape do Brasil, em 1960 – antes toda produção era feita ao vivo. Testemunhou sua imagem na telinha, antes preta e branca, ganhar cores. E agora chega à casa dos brasileiros em alta resolução na imagem trazida pelo HD. “A tecnologia é necessária para o andamento do mundo. Mas eu gosto mais do humano, do tocar, do sentir. A tecnologia é uma coisa fria. Você erra a cena, ela desliga, e pronto. Quando você fazia sem técnica, você sentia o erro, ele te doía. O verdadeiro ator não é uma máquina que liga e desliga. Se você está no meio de uma cena e há um erro e tem que parar, você perde tudo. Você está com a emoção a mil, está inteiro ali com o personagem. Se para, como faz para adquirir tudo isso outra vez?”, questiona.
Em mais de 70 anos de carreira, Laura envelheceu diante de seu público. “A passagem do tempo é meio dolorida (risos). Eu estava fazendo uma cena agora do filme e fazendo uma revisão de uma cena. Eu falei: ‘Meu Deus, como eu envelheci. Estou velha. Estou feia.’ Mas (falo isso) só daqui (da boca) para fora. Por dentro, eu gostei da cena, gostei de me ver envelhecida, gostei de ver minha cara com a vida que passou. Os atores são muito vaidosos. É a vida que está passando pelo seu rosto. É muito bom. Eu vejo (o envelhecimento) bem.”
Já em relação ao conteúdo da TV durante todo esse tempo, ela tem ressalvas quanto à nova geração de atores. “Em muita coisa, a TV melhorou. Na parte de interpretação, eu acho que não é bom. Para essa coisa de viver os personagens, interpretar, não sei se foi bom. E tem uma gente mais nova, que se adapta. Mas é um pouco diferente.”
Processo de criação é doloroso
Seja na TV, no cinema ou no teatro, Laura ainda sofre com o processo de criação de seus personagens. “É difícil. É doloroso. É cansativo. Ele te consome horas para estudar, entender, discutir com o autor ou com o diretor. O processo não é fácil. Eu sou meio chata, exigente, elitista – no bom sentido. Para mim, é trabalhoso. Tanto faz se é um curta de 15 minutos ou um longa de uma hora e tanta, ou ainda no teatro. O cuidado é o mesmo.”
Mas Laura busca no amor à profissão e à própria vida a motivação para continuar no trabalho que lhe rendeu o título de uma das maiores atrizes do país. “Enquanto você tem vida, você tem que ter amor a sua vida e pelo que você faz. Não pode ficar sem esperança. Gosto muito do trabalho. Isso faz bem ao corpo e à cabeça.”