Trocar de profissão depois dos 40
Abrir mão de uma vida estável e partir rumo a um sonho que, por algum motivo, deixou de ser realizado. Ignorar qualquer tipo de tabu em relação à idade e recomeçar praticamente do zero. Para muitos, extrema loucura. Para outros, uma sensatez cada vez mais comum e possível. Seguindo na contramão do comodismo, quarentões, cinquentões, sessentões e os demais “tões” da escala evolutiva estão cada dia menos preocupados com a aposentadoria e mais compromissados com a realização pessoal.
Como o médico e agora dono de sorveteria Guilherme Couto Martins. Aos 42 anos, ele abandonou a medicina nuclear para gerenciar um negócio que começou como hobby, ainda nos tempos de faculdade. Ou como a ortodontista Regina Rossini, 51, que, após 26 anos exercendo a profissão, decidiu voltar às salas de aula para cursar medicina veterinária. Mesmo caminho trilhado pelo advogado Luso Velloso. Aos 50 anos, mais de 30 deles dedicados ao Direito, ele prestou vestibular para arquitetura e agora vive longe dos processos. Toninho Buda, o mais experiente entre os quatro, vai além: aos 64 anos, acumula uma eclética carta profissional, que começou na engenharia e atualmente está na educação física.
Em comum, o desejo de ser feliz. Desejo que, para Jorge Matos, presidente da eTalent, empresa especializada na gestão da mudança pessoal e educação do comportamento, faz parte do pensamento do século XXI. “Estamos vivendo uma era em que as pessoas buscam o autoconhecimento. Hoje elas entendem que, a qualquer momento, é possível fazer uma correção de rumo. Costumo dizer que o século XXI é o século das escolhas. As pessoas estão começando a perceber que têm outros caminhos para cuidar da vida e do corpo.”
Duas residências médicas e muitas receitas de sorvetes
Os sorvetes entraram na vida de Guilherme Couto ainda nos tempos da faculdade, quando ele comprou uma máquina para distrair o pai. O pequeno negócio, à época no Bairro Bom Clima, mal dava para pagar o aluguel. Após duas residências médicas – em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro – e uma insatisfação com a área de formação, o gosto pelo empreendimento falou mais alto. Em outubro de 2013, Guilherme decidiu abandonar o jaleco. “No início, meu pai não queria que eu fizesse isso, achava que era inseguro eu largar os quase dez anos de estudos. Passei um tempo conciliando as duas funções, mas para não fazer nenhuma delas mais ou menos, optei só pela sorveteria. Hoje mudamos para a Rua Padre Café, o negócio vai bem, em breve abriremos um quiosque em um shopping da cidade e já temos um projeto de expansão de franquias para o estado do Rio de Janeiro.’’
Perguntado se hoje vive feliz, ele cita os prós e os contras de ser empresário, mas não hesita: “Uma das coisas boas é que não sou empregado de ninguém. Por outro lado, pintaram algumas dores de cabeça por ser dono do próprio negócio. Além da parte burocrática, sou responsável pela criação de 90% dos sabores, e muita coisa costuma dar errado. Porém, não sinto falta da medicina. Fiz uma análise para saber se daria para viver com a sorveteria. Depois de muito cálculo, já que tinha contas a pagar e uma filha de 4 anos para sustentar, cheguei à conclusão que daria para arriscar. Arrisquei e agora estou feliz e realizado. Ficarei ainda mais feliz quando a franquia realmente for para frente.”
O jaleco continua, mas os pacientes serão outros
O conflito entre a odontologia e a medicina veterinária surgiu ainda na década de 1980. Sem se arrepender da escolha pela odontologia, e depois de anos dedicados ao consultório, Regina Rossini resolveu voltar no tempo e dar uma oportunidade para a opção deixada de lado. “Tudo que eu tenho é fruto da odontologia, e não me arrependo da escolha. Mas, 26 anos depois,vejo que o ciclo está fechando. Fisicamente, a profissão exige muito. Hoje eu não consigo manter o ritmo de cinco, dez anos atrás. Ao mesmo tempo, sou hiperativa e vejo que estou nova para parar. Ficar em casa é justamente o que eu não quero.’’
Se revezando entre o terceiro período do curso de veterinária de manhã, consultório à tarde e trabalho com animais nos fins de semana, o tempo para a família costuma ser escasso. Mesmo assim, o apoio é incondicional. “Meu marido e meus filhos me incentivaram muito. Tenho muitos colegas de 17, 18 anos na faculdade, mas não me senti excluída. O curso é difícil, exigente e tem muito conteúdo. É uma doideira, mas uma doideira legal.” Motivada, ela se associou ao adestrador de seus cachorros e abriu um hotel para animais. “A veterinária deu uma energia diferente à minha vida. O conselho que eu dou para quem busca fazer como eu é não desistir. Não é fácil. No entanto, pensar na coisa é muito mais difícil do que vivê-la. Encare.”
Endereço igual, escritório diferentes
O endereço na Avenida Rio Branco continua o mesmo. Mas quem já esteve lá à procura de um advogado percebeu a mudança do ambiente. De ‘’Advogados & associados’’, a nova placa anuncia ‘’Construtora Vellux’’. Mesmo com uma carreira bem-sucedida, rentável e estável, Luso Velloso foi atrás de uma profissão que lhe desse prazer. Aos 50 anos, e após o fim do casamento, o advogado decidiu aposentar o terno e a gravata. “Me formei em direito em 1983 e, apesar de toda minha vida financeira ter sido formada na carreira jurídica, sempre falava que não queria morrer como advogado.” Em 2009, ele decidiu cursar arquitetura. “Sempre gostei de obra. Fiquei fascinado logo de cara. Era tudo que eu queria, e interagi bem com os meus colegas de turma, bem mais novos. Um professor brincava que devia ser um tédio para mim ficar recortando caixinhas para fazer as maquetes. Eu respondia que aquilo era uma terapia. Renovei o meu espírito.”
Feliz, o agora arquiteto também não renega a antiga profissão, tanto que revela ainda cuidar de alguns processos para os amigos mais próximos. Mas também não esconde o sentimento de satisfação na nova área. “Exerci a advocacia por 32 anos. Fui um advogado muito bem-sucedido, com grande estabilidade. Hoje não tenho mais estabilidade. Contudo, tenho a felicidade da arquitetura. Diferentemente dos clientes do antigo escritório, hoje, os da arquitetura sempre vêm solicitar coisas boas. Falo que sou arquiteto com prazer.”
Da engenharia para a educação física
Ele não nasceu há dez mil anos atrás, mas, como cantava seu amigo Raul Seixas, não há nada neste mundo que ele não saiba demais. Ou, pelo menos, que ele não busque saber. Engenheiro civil por formação, foram muitas as rotas alternativas em sua vida. Entre as idas e vindas pela área de formação, o sonho de dar aulas sempre esteve presente em sua vida. Foi então que, em 2005, Toninho Buda entrou para o quadro de alunos da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Juiz de Fora. “No dia que cheguei como aluno, todos morreram de rir. Meus colegas engenheiros acharam que eu tinha enlouquecido de vez. Diziam que eu ia aprender a jogar peteca depois de ser engenheiro”, conta aos risos.
Hoje, graduado, com especialização e mestrado, atua como residente multiprofissional no Hospital Universitário (HU/UFJF). Aos 64 anos, ainda quer obter outro título: o de doutor. “Normalmente, as pessoas fazem mestrado e doutorado para dar aula. Só que, no meu caso, isso não será mais possível, já que o limite para se tornar um professor universitário é 65 anos. Mesmo sem poder exercer o cargo, me sinto extremamente feliz em poder fazer o doutorado.” Cheio de planos, emenda: “Também pretendo fazer os cursos de eletrocardiograma e de desfibrilização”.
Com espírito jovial, ele faz uma avaliação entre passado e presente. “Quando nasci, uma pessoa com 49 anos era idoso, velho. Estou com 64 anos, ativo, relativamente saudável e produzindo. Escolhi uma profissão que é minha vida. No entanto, há uma desvalorização muito grande em relação ao profissional de educação física e ao professor. Sem dúvida, a engenharia é mais rentável. Mas não é o salário que me faz feliz. Algumas pessoas acham que sou um idoso tomando a vaga dos mais novos, mas eu não estou nem aí para isso. Mudei algumas vezes de profissão e, se for preciso, mudo de novo, mas até agora estou extremamente feliz. Isso não tem idade.”
Se preparar para as mudanças
Para a chefe do Departamento de Trabalho, Emprego e Renda da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Geração de Emprego e Renda da PJF, Leila Abrahão, além do quesito vontade, outros também devem estar na lista. “É preciso se preparar para essas mudanças. Com um mercado tão competitivo, é necessário estar preparado para a convivência nos novos ambientes de trabalho, estar no mesmo ritmo da geração Y e buscar cursos e qualificações.”
O economista Ricardo Freguglia aponta possíveis caminhos para que vida financeira e realização pessoal sigam de forma harmoniosa. “Trabalhar na profissão desejada, com atividades em que se tem o prazer de realizar, é um dos fatores que podem representar o sucesso na carreira laboral. Caso o trabalhador já tenha acumulado uma quantidade de renda suficiente para escolher uma nova profissão, certamente o risco da mudança profissional será menor. Por outro lado, se ele quer optar por um novo caminho sem um acúmulo de renda suficiente, o risco será maior. Nesse segundo caso, a escolha deve ser bem mais criteriosa. É importante que o trabalhador identifique quais as suas potencialidades para o mercado de trabalho, ou seja, quais as atividades que ele pode desempenhar de forma mais produtiva, buscando informações sobre as demandas existentes no mercado – oportunidades de emprego – e a remuneração para elas.”
Além de benefícios para si próprio, permanecer na ativa também poderá trazer consequências positivas para a economia do país. “Pode-se pensar que pessoas que trabalham na profissão que gostam são mais produtivas e, consequentemente, podem ser mais bem remuneradas. Isso contribui para uma maior geração de renda para o país. Além disso, se o trabalhador retarda sua aposentadoria, irá utilizar menos o benefício da previdência social.”
Negócio próprio
Largar o emprego para montar o próprio negócio pode ser outra opção para quem está em busca de desafios. O analista do Sebrae Marcelo Rother orienta que, no planejamento de um negócio, é preciso considerar o prazo de maturação em que o mercado vai absorvendo o produto ou serviço prestado. Uma exceção são as franquias. Neste caso, como a marca já é conhecida, é possível que o fluxo de clientes seja mais aquecido desde o início. Rother adverte que, no caso dos empreendedores com mais de 40 anos – muitos com família -, é preciso que o passo dado tenha “nível de assertividade mais próximo do seguro possível”. Mesmo com o risco inerente de todo empreendimento, há mecanismos para reduzi-lo, diz. Entre as dicas estão avaliar se o modelo de negócio é inovador, como está o nível de aquecimento do mercado e os movimentos da macroeconomia.